Revista da ESPM - JUL-AGO-2011
julho / agosto de 2011 – R E V I S T A D A E S P M 33 voucomerdealmoçoejanta,ébomdemais.Quandoque eu iame imaginardemadame, sendo servida ?”Olocal da excursão não era importante, tanto que às vezes aentrevistadanemlembravaondeera,masohotel! JáVera,quandoperguntadaoquefariaseganhasse na loteria, falou que iria paraCampos do Jordão, “a Suíça brasileira”. O interessante é que a Suíça em si não faz parte de seu conjunto de consideração. Outro aspecto bastante presente em toda a base da pirâmide é o gosto pela abundância e pelo exagero, o que já havia sido percebido há muito tempo por Roberto da Matta, notadamente ao descrever as famosas “ guerras de pastéis do subúrbio carioca ”. Apesar de não ser novidade, o que cha- moua atenção, emtermos de exagero, foi o tipode comunicação, até nas clínicas médicas. A estética da beleza física também, quando descrita por mulheres classesC, DeE, passa semprepelos au- mentativos, “beleza é ter bundão, coxão, peitão...” Apesar do crescente interesse, de parte dos pes- quisadores e profissionais de marketing, pelo consumo na base da pirâmide, ainda há muita falta de conhecimento. Um exemplo é a suposição de que as camadas inferiores copiamas superiores, quando os estudos de campomostramque os po- bres usam como referência seus pares (BARROS, 2006). O estudo de Mattoso (2005) e o de Barros (2006) revelam formas sutis de distinção entre os iguais, como“emprestaronome”paramostrarque “estou podendomais que o vizinho” e a adoção de costumes da patroa pelas empregadas domésticas comafinalidadede sedestacar emseumeio social. A própria ideia de pobreza, como uma noção re- lativa, ainda é desconhecida pela maior parte da população. Lembro-me do ator Falabela, quando protagonizava o personagem Caco Antibes, que tinha horror a pobre, dizendo que ele era muito bem recebido nas comunidades mais pobres. As pessoas perguntavam ao ator se os pobres não ficavam com raiva dele devido ao personagem e ele dizia que nunca havia encontrado um pobre. O que corrobora o estudo de Sarti (1996), pobre é sempre o outro ao qual eu me comparo. A autora diz que em seu estudo de campo não encontrou ninguém que se definisse como pobre. Nos bairros da periferia de São Paulo os pobres eram os que moravam na favela; já na favela os pobres eram os que moravam em- baixo da ponte. A autora disse não ter entrevistado osmoradores de debaixo da ponte, mas que certamente se o fi- zesseestesachariamalguém“inferior” a quem se comparariam. Na Rocinha os moradores falavam: “ isso aqui não é igual aquela ‘mulambada do Alemão 1 ’, não, isso aqui é zona sul ”. Apesar do fácil convívio, ainda temos muito preconceito de classe. Lembro que quando começaram os financia- mentos para carro zero em 60 meses ou mais, a classe média dizia que o governo tinha que proibir, pois os po- bres não tinham condições de pagar e depois também iriam causar enormes engarrafamentos, pois iriam entulhar as ruas de carros. Do “outro lado” eu ouvia “ agora é aminha vez! Chega de sustentarmecânico, quero um zero ”. Écomose, navezdeessacamada ter acessoa determinadosbens,amoraldaclassemédiativesse deimpedir,emnomedomeioambiente,etambém por precisaremde tutela para gastar seu dinheiro. O grande ganho ao se estudar esta camada da população, olhando para ela como consumi- dora, é que esta visão já é mais positiva que as anteriores. Se a base da pirâmide usa o consumo como inclusão social, pode-se dizer que de fato o consumo incluiu esta parcela da população no olhar do resto da sociedade. Em 2006, igrejas evan- gélicas lançaram uma grife batizada de “Lar Evangélico”, presente em produtos que vão de brinquedos a alimentos da cesta básica. A “grife” também conta com um selo, nas embalagens, quesãorecortadospelos fiéis e levados às igrejas. Tal projeto não possui so mente interesse financei- ro, tendo como principal finalidade o comprome- timento daentidadecom a comunidade. CECÍLIA MATTOSO Doutora e mestre em Administração (Coppead- UFRJ), administradora (FGV-RJ) e pós-graduada em Marketing no IAG-PUC-RJ e na ESSEC-Paris, França. Foi Pesquisadora e Professora da ESPM-RJ e hoje está na PUC-Rio e no MADE-Unesa. ES PM NOTA 1. O Alemão citado é o Complexo do Alemão, favela da cida- de do Rio de Janeiro, e a zona sul é a parte nobre da cidade.
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