Revista da ESPM - JUL-AGO-2011
R E V I S T A D A E S P M – maio / junho de 2011 44 E N T R E V I S T A MESSEDER – Em que medida a entrada da nova classe média no Brasil é um processo que difere do que vem acon- tecendo nos demais países do BRIC e na América Latina? MARCELO – Em relação aos BRICs, existe uma nova classe média surgindo em todos esses cinco países. Esse é um processo comum que une a própria definição de BRICs, do Goldman Sachs, pelo critério de participação no PIB. Não foi algo claro, como brincaram as capas de revistas: “BRICs ou RICs”, na ver- dade, agora com “S” maiúsculo, por conta da África do Sul. Existe uma nova classe média em cada um desses lugares, mas no Brasil se dá muito mais por concepção de desigualdade do que pelo crescimento. Realmente, seria ótimo ter o crescimento chinês, mas a renda do brasileiro cresce mais do que o PIB. Já na China acontece o contrário. E a desigualdade, que é outro ponto, está caindo de maneira surpreendente no Brasil – algo inédito no país desde o ano 2000. Existe uma diferença de atitude em relação à vida. MESSEDER – Vi no seu trabalho a questão do Índice Futuro de Felicidade. MARCELO – Exatamente. Isso é algo cul- tural do brasileiro: profissão, esperança. Somos otimistas por natureza. É um traço de nossa personalidade. MESSEDER – Traço de personalidade com determinadas condições objetivas, que podem ser empurradas. MARCELO – Uma coisa leva à outra. Isso talvez não seja muito bom para reformas, poupanças e coisas que podem levar a uma complacência, mas, do ponto de vista da população, a vida das pessoas em sociedade está melhorando mais do que a questão ma- croeconômica. Já nos outros países é o oposto. MESSEDER – Sobre o conjunto da América Latina, como é o Brasil nesse processo? MARCELO – O Peru e o Chile talvez sejam os tigres latino-americanos bem diferentes entre si. Há muita influência chilena no Peru, como a via para Machu Picchu e a própria companhia aérea. Eles estão cres- cendo em torno de 10% ao ano, sendo que o Chile é o país que cresce há mais tempo na região. Até 2007, a desigualdade parecia estar caindo na América Latina, de maneira inédita, não só no Brasil. Agora não sei mais, porque o México, que é muito ligado aos Estados Unidos, está sofrendo um pouco. O que gosto nos BRICs é que estamos olhando para gente muito diferente, o que força uma união latino-americana. MESSEDER – Não é um bloco geográfico nem cultural. MARCELO – Essas diversidades são fasci- nantes. Os BRICs são cinco figurinhas que representam muito bem a humanidade. Só falta o árabe. A Turquia seria realmente o retrato do mundo e mostra que não importa onde você está. Qualquer lugar pode dar certo, mas dá certo em diferentes tipos. O Brasil pode ser uma democracia diferente, feita por uma política social ativa e uma carga tribu- tária gigantesca que não facilita os negócios. Temos essas contradições. Não é só uma maximização do econômico. MESSEDER – Tem todo um processo de aumento de renda e, por outro lado, uma concentração de renda. São dois proces- sos com lógica própria? MARCELO – Nos últimos dez anos entramos num processo de desconcentração de renda forte, com uma queda da desigualdade. Na última década, a renda dos 50% mais pobres cresceu 68%, enquanto a renda dos 10%mais ricos aumentou 10%. O Brasil não estava acostumado com isso. Tivemos a época do Plano Cruzado, depois o boom , o ajuste, a era do Real e a geração de um saldo permanente, que continuou nos anos seguintes. MESSEDER – A estabilização monetária financeira talvez tenha ajudado nesse processo. MARCELO – Sem dúvida. Sou filho da PUC, tive aula com os pais desses planos. Agora
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