Revista da ESPM - JUL-AGO-2011

R E V I S T A D A E S P M – julho / agosto de 2011 50 O primeiro filme havia surgido de uma sugestão de João Moreira Salles e integrou a série intitulada Seis histórias brasileiras , que reuniu jornalistas e cineastas em torno de seis temas. Antes de se tornarem filmes, as ideias seriam apenas grandes re- portagens. “O início seria em Bra- sília, e cada um ia a um canto com um fotógrafo. Não se pensava em imagem emmovimento, não tinha nada nisso. Só que o João insistiu, ‘vocês estão loucos de hoje em dia fazer livro; tem de fazer imagem em movimento, filme, cinema’. Mas nós, os jornalistas, nunca tínhamos feito isso”. No final, surgiu material audiovisual sobre o Vale do Ribeira (O Vale), evangélicos (Santa Cruz), migração (Passageiros), carnaval (En- saio Geral), brasileiro médio urbano (Família Braz), e trabalho (Um Dia Qualquer). 3 Mais do que discutir as mazelas sociais e econômicas das populações da periferia, o foco dos dois trabalhos era a vida no dia a dia – realidade cotidiana, experiências, anseios. “O propósito era retratar uma família da periferia de São Paulo sem insistir, a menos que brotasse, naturalmente, no entorno, nos males sociais; mostrar a periferia que vive o dia a dia e, de vez em quando, tem favela, de vez em quando não tem”, afirma Dorrit. 4 Com a passagem de dez anos, o que se vê é o processo de transformação vivido por cada um dos personagens que, reencontrados em 2010/2011, haviam ascendido socialmente, tinham novas pautas de consumo, novas oportunidades de trabalho. Enfim, tinham novas aspirações e, com o tempo, poderiam realizá-las. Essa é uma grande diferença. Havia agora espaço para aspirar, imaginar o futuro de modo mais planejado e buscar os meios de torná-lo presente. Os depoimentos que compõem este retra- to de família e do Brasil contemporâneo chamam a atenção do espectador pela forte emoção que provocam diante da espontanei- dade e da riqueza dos sentimentos exibidos por cada um dos personagens, pela presença de uma forte autoestima, e pela sensação de vitória que transparece em cada uma das falas. Não que a vida agora não apresente di- ficuldades e limitações para eles. Entretanto, o que fica bastante evidente é a possibilidade de, com algum esforço, superá-las. Os sonhos agora ganham uma possibilidade de realização, ainda que com algum tempo e empenho. Essa é uma importante dimensão que parece caracterizar grupos ou segmentos sociais em processo de ascensão. A ideia de um futuro que, por mais que exija esforços, pode ser construído. Para amplos segmentos sociais brasileiros esta parece ser uma boa e nova perspectiva. Outro fato interessante é o quanto o relato dos filhos aponta na direção de fazer com que os pais tenham, eles também, experiências im- possíveis diante da realidade socioeconômica que a família vivia. Não é uma experiência de ascensão que deixa para trás a geração anterior, num gesto de ruptura. Ao contrário, o filme é atravessado por um forte sentimento de generosidade da geração dos filhos com a geração dos pais. Embora a vitória em um festival fale evidente- mente da qualidade estética do filme vencedor, ela também nos aponta para a percepção, do público e da crítica, pela importância da temáti- ca desenvolvida na obra, e esse aspecto é o que, neste artigo, nos chama mais a atenção. Quem é essa nova classe média que mostra sua cara no Brasil do século XXI? Como ela se compõe? O que ela traz de novidade em termos de percepções e ideais? Qual seu “O grande símbolo da classe C é a carteira assinada”, afirma Mar- celo Neri, do Centro de Pesquisas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV).

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