Revista da ESPM MAR-ABR_2007
Consumir é pecado? relacionado, no meio acadêmico, ao sistema capitalista. E, de modo geral, os acadêmicos tradicionais são de esquerda. Marx defendia a produção; então, estuda-se e endeusa-se a produção, mas não o consumo. Para que produzir se não houver consumo? Hoje, nomeio acadêmico, estuda-se o consumo com menos culpabilidade, mesmo porque acabou essa visão de esquerda e direita. Um exemplo: há 7 anos, tentei inscrever-me no doutora- do na USP, estudando consumo. Não havia nenhuma área que estudasse o assunto. Na antropologia, estudavam- se os índios da margem esquerda do rio Tapajós; na sociologia nada, em psicologia, menos ainda. JEAN – Na área de neuropsiquiatria, existe o que se chama de “distúrbio compulsivo de compra”. Apesar de ser, talvez, ideal – para quem trabalha com marketing e publicidade – ter esse tipo de pessoa, isso tornou-se um problema, que afeta mais ou menos 6% da população. Em termos de neurobiologia, a compra é baseada no impulso, e pode ser estimulada. Vocês, que são da área de induzir o consumo, sabem disso. Automóveis, por exemplo, produzem o impulso do desejo, o cheiro do carro novo, da cor, associação com status. Então se nos centrarmos no racionalismo, não venderemos nada... JR – Posso fazer-lhe uma pergunta? Há comportamentos compulsivos em relação a várias coisas: assédio sexual, cleptomania, violência. Esse – de compra – a que você se refere, seria um entre vários? JEAN –Não. É ummal do capitalismo, no consumismo. É uma manifestação que se produz num ambiente em que se tenta aumentar o consumo, a produção, a riqueza. Atualmente, a neurobiologia está propondo que a publicidade e o marketing não devem ser dirigidos para crianças. Os países escandinavos já proíbem isso, porque provoca uma transformação bioquímica cerebral e muda o modo de pensar. Eles proíbem a televisão de passar anúncio em programas infantis e toda a publicidade dirigida ao pú- blico infantil. JR –Vocêsabiaqueomaiorpúblicoinfan- til daTVbrasileira éodanoveladas oito? JEAN – Com certeza, mas lá não tem isto. Morei na França; como país socialista, eles têm uma política edu- cacional de consumo dirigido, coisa que nós não temos. CLOVIS – Respondendo à pergunta do J. Roberto, acho que o consumo pode ser pecado. De alguma ma- neira, o consumo é uma forma que temos de comunicar aos outros quem somos. A própria sociedade cobra- nos um discurso identitário. Todas as vezes que conhecemos alguém, por exemplo, somos constrangidos a dizer quem somos, o que fazemos, do que gostamos etc. Oconsumo tem assumido a primazia como critério de definição do eu, como agente so- cial. De alguma forma, na sociedade contemporânea, dizemos: “consumo, logo existo socialmente”. Ou seja, eu digo aquilo que só eu sou, mas que também legitime o pertencimento a este ou àquele universo social. As manifestações de consumo comuni- cam atributos que são meus e – com isso – me autorizam a participar de um grupo que também tenha hábitos de consumo equivalente; de tal maneira que, ao consumir, “EXISTE O QUE SE CHAMA DE DISTÚRBIO COMPULSIVO DE COMPRA.” 113 MARÇO / ABRIL DE 2007 – R E V I S T A D A E S P M
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