Revista da ESPM MAR-ABR_2007

Do rebanho ao estilo Não há lado de fora da globalização e do consumo. A despeito disto, parece ser possível andarmos por este grande shopping e produzirmos combinações e arranjos de fato próprios e singulares. Esta, aliás, é uma idéia bem próxima à de como a psicanálise compreende a formação do eu. Não teríamos caráter ou personalidade inatos e naturais; todos os nossos atributos pessoais são dados desde fora, do ambiente, através de nossas várias identificações e refe- rências ao longo da vida. Mas, se o eu é uma colcha de retalhos, precisamos observar que todos os retalhos vêm de fora, mas também que não há duas colchas idênticas. Cada um acaba por poder construir e se reconhecer como ser singular resultante dos retalhos que recolheu e da composição que fez. Para evocar uma vez mais algum filme que ilustre esta dinâmica, penso num estilo recorrente: aquele de um artista que começa imitando seus ídolos e vai, pouco a pouco, construindo um estilo próprio como em Ray . Neste sentido, pensar uma cultura de massa depois de 2000 émais animador do que pensar nela nos anos 70 ou 80 do século XX. Então, a sociedademassa parecia realmente unilateral em seu poder de influenciar todas as pessoas a terem os mesmos gostos e seguirem as mesmas modas. Hoje, em boa medida graças ao acesso ao mundo que temos via internet, podemos conviver com diversos filões de gostos e estéticas. Mas, Mas, mais do que isto, podemos de- volvervianetnossaprópriacontribuição. Além de blogs e coisas afins, surgiu há poucos anos a possibilidade de alguns jovens baixaremumgamepela internet, baixaremtambémumeditordeimagens, produzir um episódio ou fase nova do gameecolocá-losdevoltanarede.Com toda a complexidade que o conceito de autoria sofre nesse evento, é maravi- lhosa a possibilidade de recebermos, digerirmos e devolvermos ao ambiente nossa contribuição. Lembro-me aqui de produções cinematográficas recentes produzidas por “moleques” que ingres- saram uma mescla de referências: de Tarantino aos autores de Matrix ou As Bruxas de Salem. NÃO HÁ LADO DE FORA, MAS PODEMOS EXISTIR CRIATIVAMENTE DO LADO DE DENTRO. Emconclusãoaesteartigo,apenasreafir- moqueestesmodelosnãosepretendem exaustivos sobre o tema, mas permitem que se conjuguemdeterminantesmulti- disciplinaresparaacompreensãodeum tema tãocomplexocomoéoconsumo. O que é imprescindível é reconhecer que o consumo seja determinado por diversas ordens de razão e a dificuldade emcompreenderoprocessonãosedeve ao fato de ele ser irracional ou inefável. Por outro lado, sempre é bom lembrar que o consumo é parte visceral de nossa cultura, produzindo e sofrendo todos os avanços e crises do mundo contemporâneo. ESTA, ALIÁS, É UMA IDÉIA BEM PRÓXI- MA À DE COMOA PSICANÁLISE COM- PREENDE A FORMAÇÃO DO EU. LEMBRO-ME AQUI DE PRODUÇÕES CINEMATOGRÁFICAS RECENTES PRODUZIDAS POR “MOLEQUES” QUE INGRESSARAM UMA MESCLA DE REFE- RÊNCIAS, DE TARANTINO ÀS BRUXAS DE SALEM. PEDRO L. R. DE SANTI Psicanalista, doutor em Psicologia pela PUC-SP, mestre em Filosofia pela USP e professor na ESPM. ES PM Foto: Quentin Tarantino e Uma Thurman no cartaz de Kill Bill Vol. I 92 R E V I S T A D A E S P M – MARÇO / ABRIL DE 2007

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