Revista da ESPM MAR-ABR_2007

96 R E V I S T A D A E S P M – MARÇO / ABRIL DE 2007 Coca-Cola por seus consumidores Isso é feito através de estratégias diversas, onde Coca-Cola torna-se, por exemplo, um brinquedo infantil feito por seu próprio usuário com restos de embalagem ou quando um objeto promocional é guardado como depositário de lembranças de uma infância particular. A manipulação da mercadoria se dá ainda dentro de esferas de valor diferentes (Kopytoff, 2003), que os- cilam entre a esfera monetária das mercadorias de massa até esferas mais singulares como a dos favores pessoais ou dos valores afetivos. A manipulação da mercadoria ao longo de esferas diversas revela a iniciativa do consumidor no proces- so de consumo, apropriando-se da mercadoria e retirando-a de sua esfera monetária, para colocá-la no fundinho das caixas de lembranças, onde, ali, Coca-Cola é de cada um e de mais ninguém. II. CULTURA MATERIAL E BIOGRAFIA DE OBJETOS O presente estudo filia-se ao campo de estudos que coloca o objeto como elemento essencial da investigação do consumo e dos atores sociais. Trata-se de tomar o objeto como analisador das práticas de consumo (DESJEUX, 2000) e explorar sua capacidade em revelar práticas e gestos que escapam aos discursos dos atores sociais. O objeto garan- tiria o acesso a uma dimensão da atividade humana que só pode “tomar corpo e expressão pelo gesto e pela matéria”, que não é passível de ser explicitada por palavras, mas pela “colocação do objeto na ação” (Warnier, 1999, p. 125). O presente trabalho se inscreve, portanto, na perspectiva teórica inau- gurada por trabalhos como os de Daniel Miller e Jean-Pierre Warnier sobre a cultura material e sua re- lação dinâmica e dialética com o su- jeito. Daniel Miller (1987) descreve a relação sujeito-objeto através do processo de objetivação . Neste processo, o sujeito se exterioriza por um “ato criativo de diferenciação” em um objeto criado ou recriado por ele (Miller, 1987, p. 28) para em seguida se reapropriar de sua subje- tividade de forma renovada, através de um distanciamento deste mesmo objeto. Jean-Pierre Warnier (1999) vai ampliar esse conceito descreven- do corpo, gestos e objetos como sendo todos parte de uma mesma síntese corporal, que será matéria para o processo de subjetivação , onde, através de uma combinação particular de seus elementos e uma construção a partir do condiciona- mento aprendido socialmente, cada sujeito construirá sua identidade social. Segundo Warnier, todos os indivíduos têm à sua disposição os mesmos elementos materiais, mas é apenas quando estes se integram a uma síntese corporal particular que o processo de singularização identitária acontece. Nesse contexto, o consumo surge como uma fonte de elementos ma- teriais e cumpre uma dupla função: “produzir identidade, sentido e sociabilidade, ao mesmo tempo em que satisfaz as necessidades do con- sumidor” (Warnier, Laburthe-Tolra, 2003, p. 373, tradução nossa). Coca- Cola constituiria, portanto, mais uma dessas fontes de elementos materiais, indo além do consumo direto da bebida. Apresenta um uso Objetos simples, pedaços de embalagens, brindes promo- cionais de baixo valor, que es- tão presentes em jogos, brin- cadeiras, festas, coleções. Coca-Cola torna-se, por exemplo, um brinquedo infantil feito por seu próprio usuário com restos de embalagem ou quando um objeto promocional é guar- dado como depositário de lembranças de uma infância particular.

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