Revista da ESPM

março / abril de 2011 – R E V I S T A D A E S P M 19 } Supondo que não exista mais Hugo Chávez, acho que fazer acordos não de livre comércio, mas de um comércio mais livre com Venezuela, Colômbia, Peru, Equador, Bolívia é uma ideia muito interessante. ~ BOTAFOGO – Somos um grande investidor da Argentina e temos algumas situações curiosas: 90% da comercialização da carne argentina estão nas mãos de empresas bra- sileiras; boa parte do cimento produzido lá é por empresas brasileiras; e a Petrobras é um agente importante no mercado de ener- gia argentina. Mas essa ambição política de integração tão profunda vai demorar muito tempo para se concretizar, porque esbarra em dois problemas. O mais importante é a grande deficiência de infraestrutura física para permitir um crescimento maior do co- mércio dentro dos países do Mercosul. É a energia que se compra e vende, as estradas interligadas, as ferrovias… Ainda não temos ferrovias interligadas entre Brasil e Argenti- na, um trem sai daqui e não chega a Buenos Aires porque a bitola é diferente! Diria que o show da integração profunda vai levar mais de uma década para ser reexaminado, se conseguirmos desenvolver um programa de integração de infraestrutura dos países do Mercosul. Por mais bem-sucedido que tenha sido, o Mercosul vai entrar num compasso de espera até que os paradigmas de riscos sejam modificados. Segundo ponto: a entrada da Venezuela tem um elemento perturbador, que é a política do presidente Hugo Chávez. Não é uma questão de interpretação sobre quem apoia ou não o seu governo. Nas pa- lavras do próprio Chávez, ele é contra o livre comércio, é contra a integração produtiva, é contra o capitalismo e a favor do socialismo de Estado. Ele montou uma instituição pa- ralela chamada ALBA, com essas motivações políticas, ou seja, ele é contrário a tudo que o Mercosul prega. Então, enquanto a entra- da dele representar a tentativa de vender o socialismo do século XXI para os países do Mercosul, não vale a pena, será um desastre. Foi um erro grave da diplomacia ter aceito a entrada da Venezuela no Mercosul, sem antes discutir essas questões. Minha dúvida é se vale a pena adiar, porque o Paraguai ainda não aprovou a entrada da Venezuela. Estou em dúvida sobre qual é a melhor ma- neira: esperar ou deixar provar, de fato, que é inviável a entrada de Chávez no Mercosul. Supondo que não exista mais Hugo Chávez, acho que fazer acordos não de livre comércio, mas de um comércio mais livre com Vene- zuela, Colômbia, Peru, Equador, Bolívia é uma ideia muito interessante, mas não com objetivos tão profundos como os do Merco- sul. Não há ainda clima político e cultural que permita ter esse sonho de integração tão profundo agora. Estou convencido de que o século XXI será um período no qual as relações do Brasil com seus vizinhos sul-americanos vão passar por profundas transformações, na medida em que haja in- tegração da infraestrutura produtiva e física. Estamos fazendo estradas para cruzar o Peru e chegar até o Pacífico, temos outras que atravessam a Argentina e o Chile. Muitas mudanças estão em curso. Estamos inves- tindo na Colômbia e no Peru, a Petrobras investiu na Bolívia – houve esse acidente com o Evo Morales, mas isso também vai mudar com o tempo, porque ele não é eterno. Creio que haverá grandes modificações no relacionamento do Brasil com os vizinhos sul-americanos e pode-se prever que de J o s é B o t a f o g o G o n ç a l v e s

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