Revista da ESPM

do campo social. É o chamado deslocamento do eixo teocêntrico para o antropocêntrico. Naesferasocialepolítica,instaura-seumproblema típico do surgimento dessas transformações: se o indivíduo é livre para pensar e para agir conforme suas conveniências, quais seriamos limitesdessas liberdades sem que elas entrem constantemente emchoquecomasdeoutrem?Parasolucionaresse impasse, a racionalidade ressurgente vai orientar umdebatenocampopolíticorumoàcriaçãodeum Estado deDireito que nãomais deriva da vontade pessoal de reis soberanos, mas num espírito das leis (parafraseando Montesquieu), calcado na construção de uma racionalidade que derivaria do embate de diferentes visões da coletividade e totalmente impessoal. Lembremosqueo local, em que leis com essas características são elaboradas, é chamado, genericamente, de “parlamento”: lugar de debate, de discussão; obtenção de uma racionalidade proveniente de um consenso que seria construído coletivamente. Emsíntese, a teo- ria do “pacto social”, por exemplo, de John Locke pressuporáquenummomentohipotético, afimde otimizarseusprojetos,minimizandooscustos(so- ciais e econômicos), para que sejam realizados, os indivíduos resolvemabrir mão de parte dessa sua liberdade, transferindo-a para esta instância que lhes é externa: o Estado institucionalizado e im- pessoal que gerenciará o que é “comum” a todos, minimizando conflitos, garantindo o equilíbrio e, comodiriaKant, a“pazsocial”, resguardando-lhes garantias para que vivam suas intimidades, sua privacidade segundo suas vontades. Dessa forma, aose falardeModernidade, sobretu- do no campo social e político, o que se pressupõe é a existência de indivíduos que, como tais, são conscientes de suas liberdades (de pensamento, de ação, de expressão, de crença etc.), mas que, simultaneamente, são conscientes de que essas liberdades só sãopossíveismediante a construção de uma esfera pública plenamente consolidada, estável e equilibrada 4 , ou seja, o Estado, com seus instrumentos de defesa e proteção do indivíduo. É justamente essa noção que será incorporada O resgate da racionalida- de, tal como na antigui- dade clássica, e o con- sequente ressurgimento da filosofia e da ciência, como contrapontos ao dogmatismo religioso, fez a razão voltar a ser o caminho por excelência ao acesso das verdades. R E V I S T A D A E S P M – março / abril de 2011 46 A Modernidade: situando o conceito 1 I nicialmente posta como o período histórico do ocidente que sucedeu à fase denominada “Medieval”, a Modernidade 2 alcançou um espectro de significação atemporal e conceitual- mente bem mais abrangente do que uma mera referência histórica (Habermas, 1983). Como tal, temsido referida comoumconjuntode caracterís- ticas multidisciplinares perpassando a sociologia, a filosofia, a política, a economia, as ciências e as artes (e tantos outros campos de conhecimento), num complexo que define, ao longo dos últimos cincoouseis séculosdahistóriaocidental, ocampo deforçasemqueseconstroem(esedesconstroem), valores quemoldama sociedade contemporânea. Uma de suas características mais marcantes (es- pecialmente comomomentohistórico), éo resgate da racionalidade, tal como posta pela antiguidade clássica, com o consequente ressurgimento da filosofia e da ciência como contrapontos ao dog- matismo religioso que se apresentou como forma de explicação do cosmos no período medieval. A razão, entendida como “logos”, volta a ser tida como o caminho por excelência para o acesso às verdades. Dada a sua caracte- rística de universalidade (está presente e é um pressuposto da humanidade 3 como um todo e também do próprio cosmos), coloca a possibilidade de que estas verdades possam ser aces- sadas diretamente por quem o queira, estabelecendo um novo pressuposto característico da Modernidade: a liberdade de acesso à verdade confere a noção de que se é livre para pensar, para agir, para escolher. Enfim, as liberdades individuais começamaentrarnopanorama

RkJQdWJsaXNoZXIy NDQ1MTcx