Revista da ESPM

março / abril de 2011 – R E V I S T A D A E S P M 47 mais tarde, na Revolução Francesa, ao conceito de “cidadania”: o cidadão é o indivíduo que preza a garantia de seus direitos mas sabe que ela só é possível com o cumprimento de seus deveres, sobretudo no campo social. Por fim, no campo da racionalidade econômica, o capitalismo começa a se construir e se constituir paralelamente a outro movimento que será fun- damental para seu impulso: a Reforma Religiosa que, questionando os valores católicos do ócio, da oraçãoedacontemplação(semfalarnacondenação daspossesmateriaisedolucrocomovilipêndiosda alma humana), encontrará na nova ordemsocial e política racionalmente construída e na valorização do trabalho, do esforço pessoal e, sobretudo, do sucessoedolucrooseufermentofundamentalque lhegarantirárobustezhistóricaparasefirmarcomo hegemônico pelos séculos vindouros. Pautado por esse princípio racional da regra, a organização social, política e econômica construída pela Moderni- dade pressupõe, pois, uma predomi- nância da perspectiva coletiva sobre as vontades pessoais no complexo jogo de interesses do campo social. As instituições, de caráter impessoal, seriamrepresentantesdos interessesda sociedade comoumtodo, garantindoos princípios burgueses que se consolidam com a Revolução Francesa: igualdade, liberdade e os laços de fraternidade que manteriam a sociedade coesa. É nesse campo de forças, portanto, que se constrói a tríade estruturante da Modernidade (“Estado - Sociedade Civil - Mercado”), que se articula numa relação de interdependência sistêmica e dialeticamente antagônica: suas unidades constituintes fazemparte de um todo muito bem articulado, porém tenso e conflitu- oso. Tensão esta, por sua vez, que proporciona, a cada um dos elementos da tríade, o seu pleno desenvolvimento. Assim, a racionalidade no campo político e o consequente desenvolvi- mento racional da organização da sociedade civil foram os terrenos apropriados para o desenvolvimento do Capitalismo; este, por sua vez, ao acentuar as contradições sociais que lhe são inerentes, acirrando conflitos que ocorrem, porém, dentro de uma crescente liberdade po- lítica (conquistada à força) – mesmo que, por muitas vezes, seja ameaçada pela possibilidade de uma dominação autocrática –, proporciona, paradoxalmente, a reação da sociedade civil cada vez mais organizada, construindo e for- talecendo estruturas democráticas, acarretando importantes conquistas no plano político. É nesse cenário tenso de construção de uma nova lógicapolítica, social eeconômica, eàmedidaquea Modernidadeavança como ideologiahegemônica no mundo ocidental, que se inicia e ganha força uma aventura chamada Brasil. No campo político, é chamado, genericamen- te, “parlamento” o lugar de debate, discussão e obtenção de uma racio- nalidade, proveniente de um consenso que seria construído coletivamen- te, rumo à criação de um EstadodeDireitoquenão mais deriva da vontade pessoal de reis sobera- nos, mas num espírito das leis. Falar em Modernidade, sobretudo no campo so- cial e político, pressupõe existência de indivídu- os que, como tais, são conscientes de suas liberdades, mas que, simultaneamente, são conscientes de que elas só sãopossíveismedian- te a construção de uma esfera pública consolida- da, estável e equilibrada, ou seja, o Estado, com seus instrumentos de de- fesa e proteção do indi- víduo, que é justamente a noção apontada pela Revolução Francesa, ao conceito de “cidadania”.

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