Revista da ESPM
atenhaexplicitadocomestaconotação,poisestava focado nas questões biológico-raciais (típicas dos paradigmas positivista e evolucionista predomi- nantesàépocaequepermeiamsuaanálise), tomei a liberdade, inspirado na ideia lévistraussiana de que “osmitos são bons para pensar”, de ampliar a possibilidade de interpretação dessa metáfora do Hércules-Quasímodo, pois ela é excelente para pensar o próprio tema da contradição proposta para este ensaio: beleza e fealdade não física ou racial, mas como sociedade. Como metáforas do Moderno e do Arcaico. No Raízes doBrasil deSérgioBuarquedeHolanda, pode-se encontrar um excelente paradigma para pensar esta questão do Brasil contemporâneo. Na obra, o autor nos tece, inspirado por uma matriz notadamente weberiana (especialmente o Weber de AÉticaProtestanteeoEspíritodoCapitalismo ),um esquema de interpretação de uma ambiguidade tipicamentebrasileira.NaanálisedeWeber, aMo- dernidade no campo político – representada pela sua característica-mor que é a racionalidade– está intimamente imbricadanoEconômicoenoSocial, formando aquela tríade que seria a matriz sobre a qual a sociedade contemporânea se concretiza. Herdeiros de uma tradição da Europa católica e nobiliárquica, conferida pela nossa matriz ibérica, crescemosumanaçãoavessaaotrabalho,inspirada nos ideais ascéticos (diria Max Weber), de que a “salvação” deveria ser alcançada pela contempla- ção, pela oração, sendo o esforço pessoal algo a ser evitado e transferido para terceiros. Aomesmo tempo, cultuamos usufruir dos confortos propor- cionados pela riqueza e pelo trabalho de outrem. Avesso à disciplina, à organização e a tudo omais que remeta à modernidade, cultuamos o ócio em lugar de sua negação (o neg-ócio). A cordialidade, expressanaconstruçãodeumarededeparentesco, compadrios e amizades (que tem no nepotismo uma forteexpressão tantonaesferapúblicaquanto na privada), assume um lugar importante como amálgama de conquistas pessoais, galgando a escaladadeprestígioepoder quenão sepautapela comprovação de méritos próprios (como numa sociedade verdadeiramente meritocrática), mas pela construção desta poderosa rede de relações. Aliada a isso, a perspectiva sebastianista que nos coloca, como sociedade, à margemde sujeitos his- tóricos no processo de construção de uma nação esperando que “outros” heroicamente cumpram esse papel. Ou mesmo numa sua reformulação, atribuindo sempre a “outros” a culpa pelo caos, pela desordem, pela grande bagunça nacional. No campo social, é como se, do binômio basal da cidadania, quiséssemos usufruir dos direitos sem a preocupação de cumprir os deveres. A sociedade não se sente responsável; o Estado patrimonialista e clientelista, por sua vez, não cumpre seu papel de gerenciador dos interesses coletivos. ComrelaçãoaessaquestãodoEstadopatrimonia- lista, muito do Brasil contemporâneo pode ser ex- plicadoaoanalisarmosnossopassadocolonial.Em uma análise sobre alguns dos aspectos da cultura brasileira, remetendo a Gilberto Freyre, A. B. de Freitas identifica“onúcleodoBrasilColonial agrá- Aracionalidadenocampo político e o consequente desenvolvimento racio- nal da organização da sociedade civil foram os terrenos apropriados pa- ra o desenvolvimento do Capitalismo.
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