Revista da ESPM

ENTREVISTA | GUSTAVO LOYOLA REVISTA DA ESPM | OUTUBRO/NOVEMBRO/DEZEMBRODE 2020 14 ou reduza a verba destinada a outras iniciativas. Existe um movimento em curso para reduzir o pagamento de impostos ou refinanciar. Neste cenário, a prioridade deve ser a refor- ma tributária, de modo a aumentar a produtividade e evitar o desequilíbrio das contas. Até agora, avançamos pouco na agenda da abertura da eco- nomia, na desburocratização e na simplificação dos processos, que são fundamentais para o aumento da pro- dutividade no Brasil. Revista da ESPM — Falando em abertura econômica, que impactos a vitória de Joe Biden terá para o Brasil? O país tende a ficar ainda mais isolado e distante das cadeias globais de valor? Loyola — Essa vitória deveria ter um impacto positivo, porque o novo pre- sidente dos Estados Unidos favorece uma agenda mais multilateral, o que faz com que um país como o Brasil se beneficie mais pela falta de peso específico que tem em algumas dis- cussões. Poderíamos nos fortalecer usando o arcabouço dos organismos internacionais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC). O pro- blema é estarmos jogando essa agen- da fora por conta de um governo con- frontacionista em termos de meio ambiente e por uma proximidade nociva com Donald Trump. Até hoje, nosso presidente não reconheceu a vitória de Biden. É uma agenda sui- cida em termos de relacionamento, que acaba prejudicando os interesses do país. Revista da ESPM — Recentemente, o senhor assinou uma carta ao lado de outros ex-BCs e ex-ministros da Fazenda para alertar sobre a questão ambiental. Diante dos problemas que o mundo vem enfrentando por conta da superpopula- ção e das mudanças climáticas, qual é a fórmula para conseguirmos equacionar crescimento econômico com uma políti- ca ambiental responsável? Loyola — O ser humano vem modifi- cando o meio ambiente desde a ida- de da pedra. Existe, sim, impacto da atividade econômica sobre o meio ambiente, mas o ser humano tem o conhecimento a seu favor. Temos a capacidade de aprender com os erros e transmitir conhecimento. Logo, tenho uma visão otimista a este respeito e acredito ser possível conciliar desenvolvimento eco- nômico com meio ambiente. Um exemplo disso é o que acontece com o agronegócio e suas avançadas técnicas de produção, que utilizam menos terra para produzir mais alimentos. É irrealista ou hipócrita quem acredita que a humanidade pode hoje prescindir da produção de proteína que o nosso país apre- senta. O que falta são políticas que orientem a exploração econômica sustentável. No caso da Amazônia, sabemos que as terras indígenas são invadidas por exploradores de madeira e garimpeiros que não têm preocupação alguma com o meio ambiente. O que precisamos é ter condições de encontrar um meio de explorar a floresta sem destruí-la e assim gerar crescimento das comu- nidades indígenas sem a perda de sua identidade. De qualquer forma, não acho que o mundo vai acabar, nem que a Terra um dia será inabi- tável. Também não vejo a economia como vilã, porque afinal de contas é ela quem sustenta a sociedade. Revista da ESPM — Pensando nos próximos anos, que desafios e oportu- nidades a macroeconomia nos reserva? Loyola — Um grande desafio global será lidar com a questão da pobreza, que aumenta o número de refugiados e, consequentemente, provoca o recrudescimento do nacionalismo. Isso poderia levar ao fechamento econômico do fluxo de capitais e de pessoas, o que iria representar a destruição do comércio internacio- nal e um retrocesso gigantesco para todo o mundo. Com a ameaça de crescimento da desigualdade, temos a questão do emprego — ou da falta dele, por conta das tecnologias que substituem as atividades humanas intensivas em termos de trabalho. Desde a Revolução Industrial, o mundo fala dessa substituição, que sempre gerou novas e melhores oportunidades para os trabalhado- res. Acontece que hoje a transforma- ção digital é grande e fica a dúvida de como manter as pessoas no mercado de trabalho em um mundo onde co- nhecimento é privilégio de poucos e Há uma desorganização e uma confusão muito grande, com iniciativas dentro do próprio governo que vão contra as ideias de Guedes e sua equipe

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