Revista da ESPM
COMPORTAMENTO REVISTA DA ESPM | OUTUBRO/NOVEMBRO/DEZEMBRODE 2020 60 para nos destacarmos nosmeios sociais; conquistarmos nossos sonhos; estabelecermosmetas e atingirmos nos- sos objetivos; sermos bons naquilo que optamos fazer; e, enfim, atingirmos certos ideais de felicidade. Alémde toda esta elaboração, há um excesso de posi- tividade que idealiza todos estes acontecimentos, atre- lando-os somente à nossa persistência. É uma espécie de mantra dizendo: você consegue! Não precisamos de nin- guém nos vigiando ou nos punindo, pois não há vigilân- cianempuniçãomaior doqueaquelasque impomos anós mesmos.Umageração“workaholic”obcecadanosucessoe nas conquistas. Uma violência neuronal, como nos conta Byung-ChulHan,umdoscientistassociaismaisestudados atualmente.Oproblemaéqueashistóriasdavidadaspes- soas não sãomarcadas sópelas conquistas,mas também pordecepçõese fracassos. Anãoaceitaçãodestasderrotas agravamuito os quadros das doenças psíquicas. Durante a pandemia, estes quadros se agravaram, pois comuma rotina restrita fomos obrigados a refletir. Tentarmos entender oque estávamos fazendo coma pró- pria vida. Tivemos de conviver de formamais intensa em nossos lares, com esposos e esposas, filhas e filhos, ou qualquer pessoa com quem moramos juntos. O traba- lho e os estudos invadiram nossas casas. Perdemos os compartimentos, onde produzir, onde descansar, onde se distrair. Todos os lugares se tornaramumsó e, inclu- sive, o tempo compartimentado para cada uma destas funções deixou de existir. Tudo se misturou. Outro aspecto interessante, muito pensado pelos cientistas sociais nos últimos tempos, está associado à economia. No começo da pandemia, e até agora, pen- sadores de diversas áreas compararam tanto a crise de 1929 quanto a crise da bolha imobiliária de 2008 nos Estados Unidos aomomento atual. Omotivo é simples: após estas crises, a organização econômica do universo capitalista corria o risco de ser repensada. Fato é que, como passar de oitomeses da pandemia, o desemprego aumentou, e inúmeros negócios de pequeno emédioportesnoBrasil quebraram.Masalgumasgrandes empresas,principalmenteasquetrabalhamcomlogística, obtiveram crescimento. Amazon, B2W e Mercado Livre tiveramaumentoemsuasvendasesuasações.Alémdisso, a fortunadosbilionárioscresceuemR$34bilhõesdurante este curtoperíodo, emuitospobresnãopararamde traba- lhar emnenhummomento. Os porteiros dos prédios não pararam.Otransportepúblicotambémnãoparou.Ospoli- ciaisnãopararam.Nemaconstruçãocivil. Eamaioriades- ses trabalhadores divide suas moradias comumnúmero grande de pessoas que nãodeixaramde sair às ruas. Se o capitalismo consiste na existência de trabalha- dores construindo riquezas que se acumulamnasmãos de poucos, então a crise da Covid-19 emnada ameaçou o capitalismo. Ao contrário, esta crise escancarou ainda mais as diferenças sociais. Enquanto as classes altas se trancaram no luxo de seus condomínios, observamos uma quantidade expressiva demeninos emeninas dis- tribuindo pacotes de bicicletas em todas asmetrópoles. A esses meninos e meninas são atribuídos trabalhos análogos à escravidão, pois demoramalgunsmeses para poder pagar pelamochila e, às vezes, pela bicicleta, para poderemtrabalhar. Alémdisso, énítidoocrescimentoda populaçãoquevivenas ruas. Paraamaioriadosmembros destas classesmais baixas, a Covid-19 não é a ameaça, e simmais uma ameaça entre muitas outras. Outra questãomuito importante estudada pelas ciên- cias sociais está relacionada ao aumento da violência durante a pandemia. A violência contra homossexuais foi bastantemidiatizada. Assimcomo a violência contra as mulheres, que cresceu em 300%. Além, obviamente, domovimento Black LivesMatter, que contagiou diver- sos lugares no planeta, refletindo nas manifestações contra o racismo no Brasil, após episódio que resultou na morte de umnegro numa loja do supermercado Car- refour, na cidade de PortoAlegre, emnovembro de 2020. É possível observar que as lutas contra as violências estão intrinsecamente ligadas às lutas por inclusão e lutas por direitos. É um fator muito preocupante o Bra- sil estar entre os dez paísesmais violentos domundo. E o fato de grande parte desta violência estar muito asso- ciada ao não entendimento de grupos sociais e à falta do desenvolvimento de valores humanos, ao abismo econô- mico, à falta de respeito e às lutas sociais. Estas são as principais causas da violência emnosso país. Ocapitalismo consiste em trabalhadores construindo riquezas que se acumulamnasmãos de poucos. Logo, a crise daCovid-19 emnada o ameaçou
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