ENTREVISTA | EDUARDO GIANNETTI DA FONSECA REVISTA DA ESPM | EDIÇÃO 123 | 2022 10 Revista da ESPM — Seu último livro, O anel de Giges, fala sobre ética por meio de uma proposta quase lúdica, trabalhando com a hipótese fantasiosa de como as pessoas agiriam se tivessem o dom da invisibilidade. Com base nessa história, que análise você faz da sociedade atual? Eduardo Giannetti — A proposta do livro é a de oferecer um experimento mental que leve a pessoa a se colocar na situação de alguém que tem o anel da invisibilidade. O que cada um de nós revelaria sobre si se pudesse ter a certeza da impunidade, sem nenhum tipo de restrição imposta de fora, seja pela ameaça de punição pelas leis, seja pela reprovação e condenação da opinião alheia. Revista da ESPM — Vivemos uma espécie de versão digital da fábula de Giges? Eduardo — É possível pensar o anel no mundo digital, onde muitos se escondem no anonimato para falar e fazer coisas que jamais fariam no presencial. Este é um teste de autoconhecimento, que demonstra como nossa personalidade é repleta de camadas que não podem ser acessadas diretamente. A questão é que em dois anos vivenciamos mudanças que demorariam duas décadas para acontecer. Sofremos uma aceleração muito forte e agora precisamos trabalhar para que a internet não vire uma selva, uma cracolândia digital. Eu, por exemplo, não tenho rede social nem WhatsApp, porque quero proteger o meu tempo, a qualidade do meu trabalho e das relações. É maravilhoso ter acesso aos principais jornais do mundo e poder ler diariamente o Financial Times, o New York Times e o Guardian, mas duvido que alguém consiga ler Os irmãos Karamázov, último romance de Dostoiévski, na tela. Revista da ESPM — Em meio à pandemia, muitos afirmavam que teríamos uma sociedade mais justa e igualitária com o término dessa crise sanitária. O que representou esse período para a evolução do ser humano? Eduardo — Toda vez que há uma grande calamidade na trajetória humana surge essa ilusão e a esperança de que tudo será diferente. Com a pandemia, as pessoas se deram conta de que existemcoisas valiosas e preciosas no dia a dia, como um abraço ou um encontro, que só apreciamos quando perdemos. Mas isso já passou. Olhando para o momento de maneira mais estruturada, temos três grandes vetores de mudança: um mundo mais endividado — isso vale tanto para o setor público quanto para as empresas e as famílias; um mundo menos globalizado, com a pandemia revelando as vulnerabilidades da hiperglobalização e o quanto é complicado você ficar na dependência de poucos fornecedores de matérias-primas importantes, como os insumos farmacêuticos ativos — 80% desses insumos são produzidos por apenas dois países, Índia e China, e isso é um problema grave para o mundo. E, por último, um mundo mais digitalizado, mas este é um aprendizado em que ainda estamos engatinhando para achar o ponto certo de equilíbrio no uso das novas tecnologias. Revista da ESPM — Como você avalia os impactos dessa aceleração tecnológica na sociedade? Eduardo — Um dos maiores impactos é o fato de que os jovens estão perdendo a capacidade de empatia, de aprender a notar a sutileza e as nuances presentes em um relacionamento, porque passam muito tempo se relacionando no mundo virtual e deixam de desenvolver certas faculdades de entendimento e leitura do outro que só aparecem quando o encontro é ao vivo. Isso porque a tela filtra algum grau de emoção nas relações humanas. Há uns dez anos, durante uma entrevista para o Financial Times, o cineasta alemão Werner Herzog disse uma frase que hoje faz muito sentido: “A solidão humana crescerá na proporção exata do avanço dos meios de comunicação”. A sociabilidade humana está se empobrecendo. Lembro que, quando eu era criança, achava a TV horrorosa, porque via a família inteira em silêncio, sentada na sala, olhando para uma tela eletrônica. Hoje, ter uma famíOs jovens estãoperdendo a capacidade de empatia, de aprender anotar a sutileza e as nuances presentes emumrelacionamento, porque passam muito tempo se relacionandonomundo virtual
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