Revista da ESPM - STE-OUT_2011

R e v i s t a d a E S P M – s e t e m b r o / o u t u b r o d e 2 0 1 1 16 E N T R E V I S T A urinar no mictório. De repente o mestre diz: “Isto é uma coisa que nunca poderei fazer por você nem você por mim”. Nesse momento o aluno teve o zen, entendeu o ensinamento, que é existencial e vem da vivência. Só que, hoje, o professor tem certo pudor de levar as emoções para a sala de aula. Leciono no Chile, Equador, Venezuela e Uruguai, onde meu livro está tra- duzido e temos muitos junguianos. Entramos nas escolas e até recebi o título Honoris Causa da Universidade de Montevidéu como Profes- sor Emérito pelas atividades que pratiquei lá durante 20 anos. Observo que, por exemplo, no Equador eles têm uma grande vivência com as comunidades indígenas, mas o intuito não é desvirtuar essa realidade ou ensinar algo, e simmanter a identidade dessas comunidades. Isso é uma profissão de fé. GRACIOSO – Eu iria além, procuraria apren- der com eles. CARLOS – Inclusive isso, porque eles têmmuito a ensinar. Então, fui lecionar para essas profes- soras e comecei a falar nessas técnicas. Elas me contaram as técnicas de dramatização e ima- ginação que usam em sala de aula, sobretudo a dança. Por exemplo, a Cecília Conde, uma grande educadora, que foi Secretária do Darcy Ribeiro, contou que foi aoMorro daMangueira, no Rio de Janeiro, e observou que as crianças não se alfabetizam, o que era um problema para a Secretaria de Educação. Fizeram uma reunião commédicos, antropólogos, educado- res para saber o que estava acontecendo. Uns disseram que era falta de proteínas no cérebro porque essas crianças não se alimentam e não iriam aprender nunca, pois já estavam no nível da debilidade mental e condenadas à idiotice. Outros deram uma interpretação social: “São crianças que convivem com o crime, o alcoo- lismo e a ausência dos pais dentro de casa, por isso não têm nenhuma estrutura para formar personalidade. Vão aprender o que e para quê?”. Até que chegou uma professorinha e disse: “Secretária, essas crianças gostam de outras coisas. Nas aulas, as pessoas falam coisas que elas não têm o menor interesse em saber, como a Geografia do Egito e as monta- nhas do Tibet”. GRACIOSO – O extremo da América do Norte, até hoje lembro. CARLOS – A Cecília Conde, que é muito cria- tiva, descobriu que essas crianças gostavam de dançar, aprender letra de samba, recitar os sambas passados e resolveu fazer uma tentativa. Os professores foram à Escola da Mangueira e disseram: “Olha, gente, na pró- xima semana teremos um ensaio com a letra da escola. Vamos ver quem é que vai ler isso no quadro negro”. Resultado: as crianças começa- ram a dançar e pular no ritmo e aprenderam a ler dentro da letra da Escola de Samba. Foi um rendimento incrível. Não era a proteína, o crime ou a delinquência. Era falta de sintonia do professor com a motivação do aluno. Bastou entrar com o aprendizado dança, pandeiro e sala de aula, com o quadro negro cheio de letras ligadas à letra da escola. Foi um sucesso. J.ROBERTO – Isso tem a ver com Paulo Freire, também. CARLOS – Paulo Freire e Darcy Ribeiro. GRACIOSO – Elementos deles com Johann Heinrich Pestalozzi e Jean Piaget. J.ROBERTO – Piaget versus Jung. Você co- loca algum ponto central de divergência entre os dois? CARLOS – A tipologia. O pensamento dos dois é muito bom, só que Jung era um tipo intuitivo, intuição-pensamento, enquanto Piaget é sen- sação. É o relojoeiro suíço versus o visionário da língua alemã. A língua alemã tem os seus visionários, como Schliemann, que, de repente, imaginou que Troia tinha existido, era real... Piaget critica-o, justificando que Jung é muito ligado aos mitos e se permite a imaginação. Ligado à imaginação, lhe falta um método de averiguar o real aprendizado dos fatos, o que ele (Piaget) faz com os próprios filhos.

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