Revista da ESPM - SET-OUT_2007
85 SETEMBRO / OUTUBRO DE 2007 – R E V I S T A D A E S P M mente, o Brasil reconheceu a China, como economia de mercado, e – com isso - abrimos mão de alguns instrumentos de defesa comercial, que deveríamos ter mantido por algum tempo. Só que também isso não é solução. Estou preocupado, porque agora mesmo, no Sul, há setores – como o de calçados – mo- mentaneamente protegidos por bar- reiras contra a China, que não estão fazendo o dever de casa, para que, quando as barreiras caírem – pelas regras da OMC –, essas empresas possam competir e prosperar. São esses os desafios que o Brasil enfrenta. Apesar de todos os pe- sares, se olharmos numa perspectiva mais ampla, conseguimos algumas “viradas” (a expressão em inglês é mais expressiva: turning points ). Vou enumerar alguns. Em primeiro lugar, a democracia. É importante a consolidação de um regime demo- crático no Brasil. A China parece ter a “vantagem” de, com um regime autoritário, poder manejar melhor a economia, distribuir os recursos. Mas a democracia é um ponto im- portante que o Brasil tem. Outro é a inflação. O fato de estarmos com uma inflação de menos de quatro por cento é extraordinário, diante das décadas de crises monetárias no Brasil. Outro aspecto foi a mu- dança do papel do Estado como empreendedor, o processo de pri- vatização, que, infelizmente, vejo questionado, atrapalhado de novo, por amarras ideológicas... Mas creio que o Marconini falará disso depois. OMinistro falou das crises cambiais, que vivemos tanto tempo, e das quais estamos momentaneamente livres, na medida em que a conjun- tura internacional nos é favorável – a preocupação é até que ponto isso vai durar. A Dívida Externa, outra preocupação obsessiva, superada pelo acúmulo de reservas. A auto-su- ficiência em petróleo, uma conquista muito importante e que vem sendo também favorecida pelo êxito do programa do Etanol. A revolução do agribusiness brasileiro que tem puxa- do um desempenho extraordinário do país no plano internacional (e que é questionada também, por mo- tivos ideológicos, dentro do próprio Governo). A abertura do Brasil, a diminuição de nossas tarifas que, eu espero possam diminuir ainda mais, mediante o tardio engajamento do Brasil em acordos bilaterais que realmente nos abram mercado. Como mostrou o Ministro Delfim Neto, isso preocupa. Os espaços estão-se reduzindo, na medida em que o comércio intra-lócus cresce na União Européia em expansão e, numa Ásia que mais e mais vai se integrando – já não mais com o Japão e sim com a China como o motor. E vejo com preocupação a prioridade que a União Européia dá à idéia de um acordo de livre comércio com os países da Ásia, e não com o Merco- sul, em situação de descrédito – hoje particularmente diante da perspectiva da entrada daVenezuela de Chávez... Outra mudança importante passa por investir no Exterior – como estamos vendo no caso da Bolívia, onde somos os “novos gringos” e em alguns países da região. Fui embaixador no Equador, de 1985 a 1988, quando começavam as primeiras incursões de empresas brasileiras, a Petrobras, as grandes construtoras e outras empresas com planos internacionais. Em suma, minha mensagem é simples: de alguma forma, nós estamos em posição mais forte do que antes; o que me preocupa é o conformismo com esse relativo conforto econômico, que – como bem mostrou o Ministro Delfim Neto – nos foi muito mais dado do que conquistado por nós. Eu quero terminar com uma frase que bem simboliza o que é a mentalidade chinesa em relação ao mundo da globalização. Enquanto aqui ainda temos hesitações, temores, atitudes defensivas, a China já fez uma opção de engajamento, para valer nesse mundo que cresce tão dinamicamente, que luta caleido- scopicamente. Na época de Mao Tse Tung, durante a Revolução Cul- tural, intelectuais, estudantes, fun- cionários eram obrigados a ir para o interior do país. Nos meus anos em Pequim, conheci pessoas que passaram anos de sua vida lavando cavalos ou lavrando a terra, fazendo trabalhos humildes. A expressão que se usava na época, em chinês, era xia hai le, que quer dizer “baixar para o campo”, duas palavras diferentes, dois tons diferentes significando ir para o campo, ir para o interior. Hoje, na China, metaforicamente, se diz a mesma coisa, como lema, como moto para essa nova postura, xia hai le - hai em chinês é mar, é o oceano, metaforicamente é o mundo exterior, é a globalização. Se os senhores me permitem, gostaria de encerrar dando este conselho aos senhores que são promotores de negócios, que vão ajudar a inserir o Brasil no plano internacional, nessa língua e nessa expressão que agora os senhores conhecem tão bem: xia hai le. Ð
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