Revista da ESPM - SET-OUT_2007

93 SETEMBRO / OUTUBRO DE 2007 – R E V I S T A D A E S P M Luiz Felipe Lampreia LAMPREIA – Sem dúvida. Isso foi um imperativo histórico. Desde a independência, o Brasil sempre foi um país singular na América do Sul; porque era monárquico, porque fala português, porque obteve a sua independência através de um arranjo familiar e não através de uma luta armada – enfim, por todos títulos, desde o início o Brasil era visto, inclusive por Bolívar, como uma espécie de cavalo de Tróia... Com uma multiplicidade de vizi- nhos, sempre tivemos de cuidar muito das relações internacionais – e durante o Império, em particular. O Brasil teve uma presença militar marcante no Prata, de modo geral. A partir da Guerra do Paraguai não houve mais essa política expansionis- ta, imperialista, mas, de qualquer modo, havia questões de fronteira a resolver. Até o Barão de Rio Branco, isso requeria uma atenção especial. Depois de RioBranco deixou de existir essa premência, mas o fato é que o Brasil é visto até hoje com uma certa desconfiança. JR – E a nossa atuação comercial, econômica? Muitas vezes ouvi que o presidente dos Estados Unidos era o vendedor número um da sua indústria e, portanto, a diplomacia americana sempre serviu interesses econômicos, em primeiro lugar. Como o senhor vê essa relação entre a diplomacia e os interesses comer- ciais e econômicos do Brasil? LAMPREIA – É ainda uma relação recente e pouco resolvida. O presidente americano John Calvin Coolidge deu uma definição do seu país que eu acho engraçada: “The business of the United States is business”, ou seja: o negócio dos Estados Unidos são os negócios. No Brasil, evidentemente, não há isso. Eu diria que existe até, no Itamaraty, uma certa relutância, um certo pudor de se envolver com um setor que era chamado pelos conservadores – pelos anti- gos – como “secos e molhados”. Quando entrei para a carreira, fui trabalhar no setor do café, o que me deixou orgulhoso, por ser a coisa mais importante do Brasil, na época. Meu tio-avô tinha sido embaixador em Londres e Lisboa, e minha avó tinha sido secretária- geral; eu fui contar a eles do meu orgulho e ouvi: “Meu filho, isso não é coisa de diplomata, pois são secos e molhados”. Mas isso mudou - basicamente a partir de Paulo Tarso Flecha de Lima, que, no início dos anos 70 criou o Departamento de Promoção Comercial e começou a haver um bom relacionamento com o meio empresarial para a promoção do comércio brasileiro, dos investimentos e dos negócios de modo geral. Mas a coisa até hoje ainda não está bem resolvida. JR – O recente episódio envolvendo o nosso embaixador nos Estados Uni- dos, Roberto Abdenur, é indicativo de um certo conflito entre os nossos interesses econômicos e a posição ideológica do governo em função do partido dominante, que é o PT? LAMPREIA – Acho que houve, nesse caso, mais uma questão pes- soal. Mas acho o caso da Bolívia o mais patente de todos. O governo brasileiro não defendeu a Petro- bras de modo nenhum, deixou a Petrobras entregue à sua própria sorte, o que acabou levando à expropriação da Petrobras... JR – Mas, por outro lado, o presidente Lula está, nessemomento, emviagem e justifica tantos contatos internacio- nais para promover o comércio ex- terior, como se fosse um caixeiro viajante. Ele mesmo disse... LAMPREIA – Mas são coisas dife- rentes: a promoção das exportações das empresas brasileiras, e outra coisa o apoio a essas empresas, quando estão em situações de crise e conflito. Isso não tem acon- tecido, porque há uma visão mais ideológica que dá mais importân- cia ao relacionamento de governos como o de Evo Morales ou de Hugo Chávez, do que aos interess- es das empresas, uma priorização do político sobre o econômico, o comercial. Eu acho que é um equívoco muito grande. JR – E como o senhor vê o movi- mento de empresas brasileiras, em anos recentes, no sentido da inter- nacionalização? “PELA PRIMEIRA VEZ, O BRASIL TORNOU-SE EXPORTADOR DE CAPITAIS.” “A FRONTEIRA MAIS PRÓXIMA ESTÁ A DOIS MIL QUILÔMETROS.” Ð

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