Revista de Jornalismo ESPM - 28

REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 53 suspeita de que a Deep Voodoo não era bem uma produtora, mas uma piada elaborada. Perguntei a Shales. “Somos todos de verdade”, respondeu ele. Shales me colocou, então, em contato com seu chefe, um produtor de South Park que realmente existe, FrankAgnone. Emvárias conversas por telefone, Agnoneme prometeu clipes exclusivos domaterial a ser lançado no futuro e uma conversa via Zoom com Matt Stone e TreyParker.Mas seguiramme enrolando e nunca recebi o material. A dúvida persistiu. Oque descobri sobre aDeepVoodoo foi o seguinte: o Sassy Justice evoluiu do Sassy Trump, personagemcriado pelo ator britânicoPeter Serafinowicz, um colaborador do South Park que andava mexendo por conta própria com deepfakes. Quando ele, Parker e Stone se uniram, a primeira coisa que imaginaramfoi um longa no qual Fred Sassy dava um jeito de entrar na órbita de Trump. O projeto foi aparentemente bancado com recursos próprios, como uma prova de conceito; a ideia de Stone e Parker era despertar o interesse de algum distribuidor. Quando veio a pandemia, enxugaram os planos e se contentaram com a versão curta, que foi promovida de forma críptica ememissoras de TV e rádio noWyoming. Stone e Parker se encarregaram do roteiro e Serafinowicz do trabalho de voz – com participações especiais de sua mulher, de um ator e da filhinha de sete anos de Parker, que fez o papel de Jared Kushner. De certo modo, é bom que eu não tenhaconseguidoentrevistaroshumoristas por trás da Deep Voodoo. Afinal, oSassyJustice falapor simesmo, resumindoas intrincadas implicações da tecnologiadodeepfakemelhor do que qualquer reportagem publicada até agora sobre o tema. Enquanto a coberturadaimprensasobredeepfakes tendeaumalarmismobem-intencionado—o que paradoxalmente acaba embotando a experiência de assistir a um deepfake –, o Sassy Justice faz uma espécie de antimilitância, recusando-seadecretaroquãopreocupados deveríamos estar. Emumdeterminadomomentodo vídeo,FredSassy(Serafinowicz)entrevista por Zoomumdeepfake do ator MichaelCaine(tambémSerafinowicz). Oque“entrega”odeepfake,dizCaine, é o som. “O cérebro humano é uma coisamuitointeligenteesabedetectar a diferença entre uma voz real e uma vozfalsa”, dizoator, comocaracterísticosotaquecockney. “Umapersonificação perfeita não é possível.” Até no supersaturadomercadode imitações deMichaelCaine, oMichaelCainede Serafinowiczédeumaperfeiçãoquase insuperável. Ou seja: em quase qualquer outra circunstância, o deepfake deMichaelCaineteriarazão.Aqui,no entanto, a personificação está sendo feitaporumsujeitoespecializadoem imitar, o que torna o deepfake incrivelmente convincente. Se o sucesso do seu deepfake depender de algo tão analógico quanto o calibre do dublador, talvez a tecnologia em si seja o de menos. É fácil espalhar desinformação sem um vídeo sofisticado; o mesmo estudo que criou o deepfake da senadora americana Elizabeth Warren, por exemplo, constatouque o poder de iludir do vídeo manipulado não eramaior do que o de títulos de notícias ou trechos de áudio falsos (quando perguntei a Hao Li, o cientista da computação, por que ele achava que aDeepVoodoo era só uma fachada, ele respondeuque não lembrava bem,mas achava que tinha lido em algum lugar. “Wikipedia”, Aplicativos, como o Reface, oferecema todos a possibilidade de brincar de fazer deepfake REPRODUÇÃO

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