Revista de Jornalismo ESPM - 28

OJORNALISMO TEMFUTURO? KYLE POPE, EMILY BELL, CLARE MALONE, SAVANNAH JACOBSON, JOSHUA HUNT E SIMON V.Z. WOOD mostram o quê, quando, como, onde e por quê o jornalismo busca caminhos e se reinventa para atender às demandas da sociedade do século XXI ENQUANTO ISSO NO BRASIL... RODRIGO RYAN PISCITELLI detalha os resultados de uma pesquisa recente sobre o consumo de notícias no Brasil ILUSTRAÇÃO: ANDRÉ BARROSO/FOTOARENA REVISTA DE JORNALISMO ESPMEDIÇÃO BRASILEIRA DA COLUMBIA JOURNALISM REVIEW Imprensa livre, Democracia forte ESPM JUL/DEZ 2021 Nº 28 / ANO 10 / R$ 20,00 IDEIAS MAIS CRÍTICAS FLAVIO FERRARI projeta como será o futuro do jornalismo no Brasil e no mundo ENTREVISTA ELENA CABRAL, assistente do reitor da Columbia Journalism School, fala sobre os novos tempos da profissão

REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 1 JULHO | DEZEMBRO 2021 3 EDITORIAL J. Roberto Whitaker Penteado e a arma mais poderosa do mundo! 4 IDEIAS MAIS CRÍTICAS Flavio Ferrari indica os caminhos que o jornalismo tende a percorrer nos próximos anos 12 ENTREVISTA Elena Cabral, assistente do reitor para programas acadêmicos e comunicações da Columbia Journalism School, fala sobre os novos desafios do jornalismo 16 O FUTURO DO JORNALSIMO Kyle Pope mostra como a indústria da comunicação tenta se reinventar em ummundo pós-pandemia 18 LEIA SEMPRE O RÓTULO Emily Bell critica o método utilizado pelas plataformas digitais para selecionar, excluir ou promover notícias na internet 22 O POVO ME AMA! Clare Malone retrata a vida e o poder de uma nova categoria profissional: o influenciador jornalístico, como é o caso de Philip DeFranco 30 ENTREGA ESPECIAL Savannah Jacobson retrata os canais e meios utilizados por jornalistas para levar a informação aonde o povo está 34 NO LIMITE Joshua Hunt questiona a ética do jornalismo infiltrado: um dilema que todo profissional de imprensa enfrenta em algum momento da carreira 40 AVATAR DO MEDO Simon Wood desvenda o submundo das deepfakes cada vez mais presentes em nosso dia a dia 56 ENQUANTO ISSO NO BRASIL... Rodrigo Ryan Piscitelli traça um panorama do consumo de mídia e notícias no Brasil 60 PARA LER E PARA VER Livro escrito por oito jornalistas descreve a Tempestade Perfeita que a imprensa enfrenta hoje em todo o mundo ANDRÉ BARROSO/FOTOARENA SHUTTERSTOCK.COM 64 CREDENCIAL Dorinho Bastos e Clotilde Perez desenham como será o amanhã para a nossa categoria!

presidente Dalton Pastore vice-presidentes Alexandre Gracioso e Elisabeth Dau Corrêa diretoria Flávia Flamínio (diretora de operações acadêmicas), Rodrigo Cintra (diretor de internacionalização) e Tatsuo Iwata (diretor nacional de pós-graduação e educação continuada) conselho editorial J. Roberto Whitaker Penteado, Maria Elisabete Antonioli e Ricardo Gandour REDAÇÃO DA REVISTA DE JORNALISMO ESPM editor José Roberto Whitaker Penteado editora-assistente Anna Gabriela Araujo diagramadora Gaby Mayer Braga tradução Ada Félix revisão Mauro de Barros A Revista de Jornalismo espm é uma publicação semestral da ESPM, com conteúdo exclusivo da Columbia Journalism Review endereço Rua Doutor Álvaro Alvim, 123 VilaMariana - São Paulo - SP - CEP 04018-010 editorial 11 5085-4643 e-mail gabriela.araujo@espm.br informações 11 5085-4508 e-mail revista@espm.br site www.espm.br diretor da columbia journalism school Steve Coll chairman Stephen Adler diretor de redação e publisher da cjr Kyle Pope editora executiva Betsy Morais editora digital Ravi Somaiya editor senior Brendan Fitzgerald chefe de redação digital Mathew Ingram redação Alexandria Neason, Amanda Darrach, Andrew McCormick e Zainab Sultan editor do tow center for digital journalism Sam Thielman editora colaboradora Camille Bromley A Columbia Journalism Review é uma publicação trimestral da Columbia University Graduate School of Journalism. A Revista de Jornalismo ESPM (ISSN 2238-2305) é uma publicação semestral Ano 10, Número 28, julho-dezembro de 2021 Imprensa livre, Democracia forte A Revista de Jornalismo ESPM — edição brasileira da Columbia Journalism Review — foi criada em 2012, com o objetivo específico de promover, no país, os aspectos educacionais e éticos, a pesquisa e o progresso material da profissão. A ESPM garante aos editores liberdade ilimitada de opinião, direito inalienável do jornalismo em todas as formas de expressão. Cumpre registrar, no entanto, que os artigos assinados, assim como o editorial, não representam a opinião da ESPM. PÓS-GRADUAÇÃO

REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 3 EDITORIAL Todos têmdireito a suas manias. Aminha – ao escrever umtextoparapublicação–é abrir oprimeiroespaço com uma citação. Talvez seja por insegurança, ou – ao contrário – para mostrar que celebridades apoiam as minhas opiniões. Nosso best-seller surpreendeu-me coma quantidade de frases suas nos sites de citações. Indiscutivelmente, elemostracompetêncianousodessas armas: aspalavras. Otemadenossa revista soueu, vocêeumaboaquantidadede outros leitores: o jornalista. Apalavra sofreuum choque semântico na França, que acrescentou o dia – le jour – à atividade que, na época, divulgava o que se passava no mundo, dia após dia. Na marca do Estadão paulista identificamos um jornalista mais antigo: o arauto, que também subsiste nos jornais em língua inglesa que temHerald, no título. Chegando ao fimde uma fase catastrófica e surpreendente no segundo milênio das gerações contemporâneas, todos se perguntam: E agora? Peço perdão a todos os profissionais que vão sofrer alguma coisa com o novo normal. Nada – rigorosamente nada – mudou tanto desde o início da civilização quanto a comunicação. Neste ano de 2021, em todo o planeta, somos poucomenos de oito bilhões e 90%de todos têmacesso a algumequipamento eletrônico de comunicação: celulares, mobiles, smartphones, deepfakes, etc. Dentro de pouco tempo, esse número chegará a 100%. Uma parcela cada vez menor se informa pelos grandes veículos, que se tornam cada vez menores. Nossos colaboradores, de Columbia e da ESPM, fazem refleA arma mais poderosa “entre todas as armas de destruição inventadas pelo homem, a mais terrível e a mais destrutiva é a palavra.” Paulo Coelho xões importantes sobre o que muda edevemudaraindamaisnaprofissao de jornalista. Chamo atenção para o cartumdo studiostoks publicadonas páginas 16 e 17. Flavio Ferrari resume em quatro os nossos compromissos: democracia, cidadania, transparênciae inclusão. Emily Bell chama atenção para a responsabilidade das empresas de tecnologia–nemsempre respeitada –ea importânciade investigarasorigens de todas as informações. Clare Malone traça um perceptivo perfil dosnovosyoutubers.Eaproliferação meteóricadeemissoresdecomunicação, que criamsuas instituições com pouco, ou nenhum, investimento. Sejam um único indivíduo, ou um grupo, nunca se descrevem como “jornalistas”. Nessa área, o jornalismo compartilha com muitas outras atividades um dos problemas-chave da economia: adistribuição.OartigodeSavannahJacobsonnesse sentido é esclarecedor. Umassuntopoucoabordadoéenfrentadocomgalhardia por Joshua Hunt: o jornalista é, muitas vezes, compelido a desrespeitar as leis e a correr reais perigos de vida para realizar projetos de jornalismo investigativo. Deepfake é palavra nova entre nós – pois depende de tecnologia sofisticada. Mas SimonV. Z. Wood descreve, emdetalhes, comoseriapossívelproduzirumfilmeestreladoporTomCruise semqualquer participaçãopresencial do ator... E coisas piores. Nosso professor Rodrigo Piscitelli colabora com um texto bastante útil, mostrando as diferenças entre notícia, propaganda, publicidade e opinião. Há tambémum relato sobre o nosso 5º Seminário Internacional, com uma entrevista com Elena Cabral, assistente da reitoria da Columbia University. E, como de hábito, as resenhas de livros eumespecial sobre apesquisadaTVCultura que aponta os principais hábitos demídia nos lares brasileiros. Sobre a comunicação como “arma” poderosa, penso como Paulo Coelho: a recente crise deixou amostras do poder que pode exercer no mundo presente. j. roberto whitaker penteado Editor

4 JULHO | DEZEMBRO 2021 antes da popularização da linguagem escrita, era o bardo que detinha o poder e amissão de transmissão dos fatos relevantes para a história de umpovo. O que ele recitava ou cantava era a verdade por ser o que se diz, o que se canta, emoposição ao que ninguém canta. Daquele que não era declamado e cantado, esquecia-se. Feitos ignoradospelospoetas, considerados indignos de suas odes épicas, perderam- -se no tempo e deixaramde existir. O poetaeraassimvistocomoumser inspirado, pois era ele quem dava ser às histórias, àprópriarealidadeimagináriaquedetermina, emtão largaparte, a vida dos humanos de cada região. A verdade, na Grécia antiga, era representada pela palavra aletheia, cujo significado é “desvelado”, “não oculto”. Verdadeiro é o que semanifesta aos sentidos, que se faz presente. O que está em oposição é a ausência, não a mentira que, ao ser proferida,manifesta, tambémexiste. Detienne ressalta que aletheia não se opõe àmentira, como acontece na atualidade. Não há o “verdadeiro” frente ao “falso” nessa concepção, como para os filósofos e cientistas modernos. A oposição original da verdade se dá com Léthe, que é “o esquecimentodos homens”. As palavras de um poeta inspirado e bem fundamentado tendema se identificar com a “Verdade” (DETIENNE, 1988, p.17). Trêsmil anos depois, comGutembergpelocaminho,eainternetnofinal da reta, aqui estamosnós,muitomais bem aparamentados para difundir a verdade, e para contestá-la, quando julgarmos necessário. A sociedade do espetáculo Parasermos justos, precisamosadmitir que temos sido continuamente bombardeados por informações, muito antes do contexto digital. Na verdade, desde sempre. Nosso mundo é rico em estímulos e, mesmo considerando nossas limitadas capacidades sensoriais, informação é o que não nos falta. Formas, cores, movimentos, sons, aromas, sabores e sensações táteis estão presentes emcada segundo de nossa vida, issoconsiderandoapenas os sentidos que nominamos. Nosso fantástico cérebro desenvolveu mecanismos interessantes para trabalhar com a sobrecarga de informaçõesnonível consciente.Um de seus principais truques é ignorar pequenas variações e dirigir nossa Bardos, poetas e jornalistas! O passado, o presente e o futuro da manifestação da verdade estruturados sobre quatro pilares: democracia, cidadania, transparência e inclusão FLAVIO FERRARI IDEIAS + CRÍTICAS

REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 5 atenção para a excepcionalidade. É um processo parecido com o que acontece na televisão digital, cujo sinal traz a informação das mudanças de pixel, quadro a quadro. Se o pixel era preto e vai continuar preto, oucomumavariaçãomuitopequena, isso não precisa ser informado. Essemecanismointernoé, decerta forma, reproduzido na nossa relação comomundoexterior.Dirigimosnossa atenção para o que foge do comume para oque é intenso.Melhor ainda se forcapazdedespertarfortesemoções. De todas as áreas do conhecimento, talvez a que melhor represente esse fenômeno é a história. Classificamos a trajetória da humanidade em fases, a partir de grandes mudanças. Namedicina, dedicamos nossa atenção para as doenças. Na física, para as mudanças de estado. Não é de admirar que o mundo damídia se aproprie desse conceito comtanta habilidade. Umjornal que reporte o que já sabíamos e que não mudou não terá leitores. A reprise deumprograma recebemenos atenção. A exceção fica para aquilo que é emocionalmente estimulante, que desejamosvererever, repetidamente, até que perca a capacidade de provocar alterações significativas em nosso estado de espírito. Os sites de notícias e os telejornais são um caso à parte. Precisam sermuito dinâmicos para capturar a atenção, conquistar emanter a audiência. E é aí que a coisa complica. A violência ocupa umespaço significativo na mídia informativa. No mundocontemporâneo, casosdeviolência, nasmais diversas formas, são fáceis de encontrar. O nível de violência capaz de sensibilizar o consumidor da informação varia em função do ambiente em que vive e de sua história de vida. Eu estava no Chile quando a imprensa reportou, pela primeira vez, o assalto a uma mulher que estava parada em um semáforo, dentro de seu carro. O acontecimento ocupou todos os noticiários com grande destaque, e a indignação coletiva foi digna de nota. Trabalhavano centrode SãoPaulonesta época, e no semáforo da avenida São Luiz, emfrente àBibliotecaMunicipal, isso ocorria praticamente todas as vezes em que o semáforo estava vermelho. Não era notícia. A variação das estatísticas sobre esse tipo de crime era notícia na época, duas ou três vezes por ano. Assassinatos também eramnotícia. Na era em que vivemos, vale mais o talento do bardo da Idade Média para cantar o mito do que o fato que cai no esquecimento SHUTTERSTOCK.COM

6 JULHO | DEZEMBRO 2021 “A reprise de umprograma sempre recebe menos atenção. A exceção fica para aquilo que é emocionalmente estimulante, que desejamos ver e rever, repetidamente” Hoje, noBrasil,maisde50mil pessoas por ano são assassinadas. São 137 pessoas por dia. Não seria possível contar cada uma dessas histórias no noticiário. Os homicídios tipificados como feminicídios sãomenos comuns, não chegam a três por dia e merecem um destaque maior. Os de figuras públicas, como políticos, são raros. Recebem toda a atenção dos noticiários. A repetida exposição às cenas de violêncianosnoticiáriosgeradoisefeitos paradoxais na sociedade. Por um lado, ficamos “anestesiados” edeixamosdenos chocar comas cenasmais comuns de violência. De outro, vivemos com a impressão de que esse é o mundo que nos cerca (e de fato é, em algumas comunidades, mas não em todo o país). Violência é apenas um exemplo, embora omais dramático. Tomemos outro. Asmanifestações nas universidades com alunos desfilando nus, emprotestopor alguma causa. Éalgo raro, acontece uma vez ou outra em algumas poucas universidades do Brasil, protagonizado por pequenos grupos de alunos. Por issomesmo, é notícia. Se acontecesse diariamente nas 2,5mil universidades brasileiras, não seria notícia. Mas a impressão que fica para os consumidores da mídia é que é isso que os alunos vão fazer nas universidades. Um museu expõe uma coleção de arte erótica e a arte é satanizada. Alguns funcionáriospúblicossãoacusados de participar de um esquema de corrupção e todos os funcionários públicos são corruptos. Padres, pastores e curandeiros são flagrados em atos deploráveis e o mundo da espiritualidade perde sua credibilidade. A busca do extraordinário Gradativamente, nossa percepção da realidade se deteriora e omundo parece um lugar muito pior do que realmenteé.Nãoéà toaqueadepressão vem se transformando no mal do século. Antes da pandemia, e mesmo agora em seu ocaso (esperemos), bilhões de habitantes do planeta têm um dia tranquilo. Alunos estudam, artistas criam, líderes religiosos acolhem aflitos, funcionários públicos fazem seu trabalho, pessoas trocam carinhos, tudo isso num volume gigantescamente maior do que as exceções. Mas isso não é notícia, justamente porque é comum, “normal”. A realidade cotidiana é enfadonha e não dá audiência. Precisamos do excepcional e do inusitado para sentir-nos vivos, mesmo que sejam histórias, de realidade ou ficção. Uma boa pergunta é por que não damos mais atenção para o que é excepcional e inusitado de forma “positiva”, como histórias de amor, de ajuda ao próximo ou de honestidade. Elas também estão por aí. Tenho duas hipóteses para isso. A primeira é a de que as mazelas e tragédias, de alguma forma, nos fazem sentir, momentaneamente, que nossa condição pessoal é melhor, por comparação. Somos menos violentos, menos corruptos e estamos sendo “recompensados” sendo menos vítimas dessas circunstâncias. Belas histórias têm o efeito instantâneo contrário. Daí a crescente irritação com as redes sociais, onde todos postam seus melhores momentos. Asegunda é que engajar opúblico comnotícias amenas talvez sejauma arte mais difícil e para poucos, tal qual fazerhumor comelegância, sem palavrões ou humilhações. Guy Debord, se bem me lembro, em seu livro de 1997 (A sociedade do espetáculo), acusava-nos de trocar a vida real pelo imaginário, pela sucessãode imagensdifundidaspelamídia. Mas se existe “culpa”, ela não pode ser atribuída exclusiva e coletivamente à mídia ou aos jornalistas que, em sua maioria, acredito estarem se esforçando para fazer bem o seu trabalho, cientes de suas responsabilidades. O próprio Debord aponta o fenômenocomoconsequênciadomodelo social capitalista.

REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 7 Sea relevânciadamídia jáéevidenciadanoatual contextodacomunicação, seupapel numasociedadepós-realidade torna-se imprescindível SHUTTERSTOCK.COM Capitalismo, democracia e liberdade Não pretendo me aprofundar aqui no debate político-social instigado por Debord, embora recomende a leitura de seu livro. Mas creio que é importante estarmos conscientes de quea lógicacapitalistaéautossustentável, ummecanismo que funciona de forma independentedas vontades individuais e que, de fato, promove as atitudes perpetuantes que, num regimedemocrático, temos liberdade para praticar (a possível correlação do leitor com a série OMecanismo, de José Padilha e Elena Soarez, terá sido mera coincidência). Umjornalista que deseja disseminar a verdade dos fatos precisa ter recursos para apurá-la e meios para difundi-la. E, para ser escutado (com a devida atenção), precisa ter boa reputação. Quem determina como conseguir o necessário é a lógica do espetáculo da sociedade capitalista. Conscienteou inconscientemente, o jornalista precisará decidir se irá render-se às regras do jogo espetacular ou limitar a distribuição de suas verdades para poucos. A mídia que acompanhamos é a que sobrevive, porque sabe jogar. Nãohá qualquer juízode valor nessa observação. Trata-se de uma verdade, ainda que contestável. Falando sobre reputação... Na sociedadedo espetáculo, reputação é tudo. Mas o que é reputação? Abordei essa questão em um capítulo do livro Reputação (Editora Leader, 2021), do qual fui um dos coautores. A filosofia há muito se debruça sobre as questões relacionadas à realidade e à percepção. Numa concepção kantiana, podemos dizer que a organização e suas marcas são a realidade em si e que os contatos do consumidor comessa realidade, nos diferentesmomentos e situações, são os fenômenos cognitivos que constroem a percepção do objeto (marca ou organização) e, portanto, sua reputação. A compreensão e aceitação dessa lógica, apriori, daconvergênciaentre a experiência e a razão, é essencial quando falamos de reputação. Quaisquer que sejam os modelos emétricas utilizados para representar e avaliar a reputação corporativa, ou damarca, o objeto de estudo será o conjunto dessas ideias concebidas e projetadas pelo indivíduo. O elemento básico construtivo da reputação, portanto, é a opinião individual.

8 JULHO | DEZEMBRO 2021 Opinião,pordefinição, éumaassertivaque incorporaumjuízodevalor e transcendeaconstataçãofactual.Adistinção entre opinião e fato também é importante quando buscamos entender a conformaçãoda reputação. Fato é a informação que recebemos. Opiniãoéaavaliaçãoquefazemosdofato. Para a “imprensa”, que tem como propósitocomunicarosfatos,éirônico quesuareputaçãosejaconsequênciado fenômeno reverso, ou seja, da opinião decorrente da interpretação dos fatos e sua divulgação pelos consumidores. O processo cognitivo gerador das ideias se baseia emcategorias e conceitos que são compartilhados pela humanidade no espaço e no tempo. VoltandoaDebord, categorias determinadaspelasociedadedoespetáculo. O conhecimento das categorias e conceitosmais “universalizados” no espaço e no tempo emque atuamos oferece a possibilidade de construção da reputação. Emtermospráticos, areputaçãoéa somatóriadas idealizações, das construções subjetivas de cada indivíduo. Mas se existe um processo de construção, baseadoemcategorias e conceitos comuns ao espaço social onde queremos construirnossa reputação, precisamos garantir que as impressões transmitidas em cada encontro dos indivíduos com a organização ou amarca sejamadequadas à construção – é a comunicação fractal. No novo mundo, há que se domarem as ilusões. Essa é a regra do jogo! Modelos de negócio: quem paga a conta? Pessoas físicas e jurídicas precisam de dinheiro para sobreviver e, com umpouco de sorte, conquistar o que desejam. Produtoresde conteúdo têm, basicamente, dois caminhos para obter recursos: cobrando pelo acesso ao conteúdo ou vendendo os momentos de atenção gerados por ele (publicidade). Não é uma decisão dicotômica e, namaioria dos casos, amídia sobrevive commodelos híbridos e parcerias com outros agentes do ecossistema, embora o investimento em publicidade (anunciantes) siga sendo a principal fonte de receita. De todomodo, o sucesso de todos os modelos de negócio depende da capacidade de engajar consumidores paraoconteúdoproduzido, e isso não é diferente para o jornalismo. Uma vez que, em função das tecNo universo da mídia, a verdade vem se tornando polarizada e a confiança cada vez mais relativa SHUTTERSTOCK.COM

REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 9 nologias disponíveis, os veículos já não estão presos ao seu vertical de origem (de produção e distribuição deconteúdo), é importanteconhecer a jornada e compreender as necessidades e desejos do consumidor em cadamomento, procurando garantir a relevânciadoconteúdoeaconveniência do acesso– esses dois aspectos definemo valor para o consumidor. Relevância e conveniência são fundamentos da nova comunicação. Embora isso pareça obvio, podemos avaliar, por nossa própria experiência, que grandeparteda comunicaçãoquerecebemosnãoéoportuna, sendo percebida como um aborrecimento. Somos impactados, ininterruptamente, por uma enorme quantidade de mensagens, e nossa atenção é seletiva. Tomando emprestado um conceito tradicional da telecomunicação, esse fluxo de informações pode ser considerado um “ruído”, que interferena transmissãodo conteúdoque eventualmente possa nos interessar, o nosso “sinal”, a informação relevante.Uma transmissãodequalidade acontece quando maximizamos a relação sinal/ruído, de forma a que o sinal possa ser claramente distinguido do ruído. A atenção e o engajamento do consumidor são definidos, portanto, pela relação entre o que é sinal e o que é ruído. Para pagar suas contas, a mídia precisa ter controle desse contexto. Verdade e reputação Umagrandequestãoéque, nomundo damídia, a verdade vemse tornando polarizada e a confiança relativa. Estamos deixando uma era na qual algumas poucas grandes marcas de mídia distribuíam as informações sobre as verdades do mundo, que aceitávamos passivamente, para um outro contexto em que os produtores de informação se multiplicam, as redes sociais repercutemos conteúdos e os consumidores cocriam durante o processo. O consumidor de conteúdo é o protagonista da relação coma fonte. Demanda verdade e transparência, a seu critério e juízo de valor. Essa situação promete se acentuar na presente década, antes de se atenuar, turbinada pela polarização política e pela fragmentação social promovida pela defesa de direitos e de regras protetivas para segmentos específicos da sociedade. A credibilidade dos grandes veículos é contestada enquanto os pequenos, segmentados por valores defendidos por comunidades dinâmicas (grupos de interesse), ganham influência, justamente por serem tendenciosos. A tentação para os grandes não é pequena. A imparcialidade, o fundamento jornalístico tão necessário à sociedade, não encontra espaço comfacilidade,masnãodeve ser abandonada. O futuro do jornalismo Falar da importância do jornalismo na era das fake news não seria falar do futuro. Mas devemos relembrar o que dissemos sobre a concepção grega da verdade. Tudo que é publicado e compartilhado existe e se opõe ao que não existe. Na era em que vivemos, vale mais o talento do bardo para cantar o mito do que o fato que cai no esquecimento. Há umaspecto tecnológico, relacionado à mídia, que deve ter um papel marcante nesta próxima década. O uso da inteligência artificial para a produção de conteúdo poderá trazermaior agilidade e precisão para a informação – que são dois requisitos importantes para o resgate da confiabilidade. Mas esse mesmo recurso, que promete oferecer soluções inovadoras e interessantes, como apresentadores virtuais realistas e produção automática de matérias analíticas e experiências de realidade aumentada, também é capaz de criar o que vem sendo chamado de realidade alterada, uma construção bastante realista de conteúdos falsos “protagonizados” por personagens verdadeiros (“deepfake”). Migraremos da notícia falsa para o fato falso. Searelevânciadamídiajáéevidenciadanoatual contextodacomunicação, seu papel numa sociedade pós- -realidade torna-se imprescindível. “A realidade cotidiana é enfadonha e não dá audiência. Precisamos do excepcional e do inusitado para sentir-nos vivos, mesmo que sejam histórias, de realidade ou ficção”

10 JULHO | DEZEMBRO 2021 Asatribuiçõesdasmarcasdemídia transcendem as tarefas de informar, entreter e oferecer conteúdos para consumidores e momentos de atenção para os anunciantes, e incluem responsabilidades em relação à democracia, cidadania, transparência e inclusão. Nessas quatros palavras reside a chave para um futuro provável do jornalismo democrático, inclusivo, transparente e cidadão. O que aprendemos nessa última década é que, tal qual acontece com os vírus, as notícias são repercutidas pelos indivíduos em larga escala. O consumidor define o que é verdade e os mecanismos de controle que vêm sendo criados para controlar a disseminação das “fake news” estão fadados ao fracasso, porque baseados no falso paradoxo “verdade x mentira”. Nada é absolutamente verdadeiro ou falso, e o ímpeto participativo da sociedade não pode ser refreado sem o comprometimento dos princípios democráticos. Há que se convidar o consumidor a participar do processo informativo, como consumidor-produtor (“prosumer”). Trustin – seu próximo jornal Em2005, eu fui convidadopara falar emumcongressodaWAN(AssociaçãoMundial de Jornais) sobre como seria o jornal do futuro. Na ocasião, apresentei um “jornal-conceito”, o Trustin, uma rede confiável de informações. Reproduzo aqui sua descrição, tal qual apresentei nocongresso: “Na próxima década, amaioria dos cidadãosdomundo ‘civilizado’ teráum dispositivo de comunicação portátil capaz de gravar som e imagem (telefone celular, de mão ou similar), com acesso à internet. O desejo de ser protagonistaeanecessidadedecontrolaro fluxodeinformaçõesserãoconsolidados. OTrustin é umjornal-conceito que pode ser desenvolvido por qualquer grande editora comumamarca sólida, comcapacidade de investimento e flexibilidade operacional. Atua como um gerenciador de fluxo de informações eficiente, obtido principalmente por meio de uma rede cooperativa global, recebendo continuamente informações relevantes de colaboradores em todo o mundo a partir de seus dispositivos portáteis. A equipe de jornalistas residentes, apoiada em sistemas inteligentes que organizam e verificam automaticamente a consistência das informações, qualifica e complementa o que é recebido, autorizando o acesso à comunidade de leitores. Esta equipe não se limitará às fontes colaborativas, embora estas representem mais de 70% das informações obtidas em seu banco de dados. Também atuará de forma proativa na busca de informações, escrevendo jornalismo, investigando e configurando agências de notícias, incorporando informações exclusivas ao banco de dados. Essas informações são complementadas por laudos analíticos e pela opinião de especialistas residentes ou contratados. Trustin é a plataforma de acesso global às informações estocadas, alimentadas edisponibilizadas emtempo real aos assinantes emseus dispositivos portáteis, notebooks ou desktops. Com diferentes níveis de acesso e total possibilidade de personalização, a plataforma cumpre o seu objetivo de oferecer um jornal comunitário, étnico, especializado, local, regional ou global, aos gostos particulares do cliente, realizado em tempo real. Além disso, uma versão impressa sintética do Trustin pode ser obtida em estandes de impressão, distribuídos localmente empontos específicos. A heterogeneidade dos colaboradores garante a extensão das informações. Executivos, políticos, profissionais liberais em todas as áreas do conhecimento, bem como a população em geral, interagem continuamente como sistemade formapessoal ou institucional (pormeio de assinatura da empresa). OeditorresponsáveldoTrustinanalisao conteúdo. Os assinantes, apublicidade e a intermediação de conta- “A credibilidade dos grandes veículos é contestada enquanto os pequenos, segmentados por valores defendidos por comunidades dinâmicas, ganham influência, justamente por serem tendenciosos”

REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 11 tos são as fontes preferenciais de recebimento. Os assinantes-colaboradores recebem créditos por sua contribuição, que podem ser utilizados para reduzir ou eliminar os custos de assinatura, ou mesmo resultar em remuneração pessoal. Trustin oferece um sistema exclusivodedistribuiçãootimizadademensagens aos anunciantes. Tudopode ser feito on-line, incluindo a formatação da publicidade por meio de templates amigáveis. O anunciante define o alvo desejado e a intensidade da comunicação. Trustinutiliza informações autorizadas de sua base de assinantes para selecionar os destinatários da mensagem e coleta por meio de verificação de exibição. Trustin também oferece a possibilidade de pesquisar os assinantes (que recebem créditos por sua colaboração) com apoio metodológico de institutos de pesquisa. Excepcionalmente, pode ser emitida a interação direta entre anunciante e assinante, intermediada pela equipe residente. Trustin estimula ações de relacionamento que possam resultar em benefícios reais às partes envolvidas e monitora o processo para garantir a ética no relacionamento. Por meio de associações, o Trustin também pode estar presente em outros meios de comunicação convencionais, como rádio, televisão (relatórios informativos personalizados), ou indoor (em lojas, aeroportos, elevadores). O espírito colaborativo-associativo do Trustin resulta em ummaior nível de engajamento coma comunidade de leitores. As ações institucionais do Trustin são intencionalmente focadas no desenvolvimento sustentável em seu sentidomais amplo. O lema “Atendemos às necessidades dehoje, pensando no de amanhã”, se aplica a todas as partes interessadas. O braço social do Trustin apoia, principalmente, atividades educacionais, por entender o que émelhor para o planeta e estrategicamente interessante para os negócios. Este é, sinteticamente, o Trustin, o próximo jornal.” Como o texto tem 16 anos, certamente mereceria alguns ajustes (a versão impressa, por exemplo, talvez seja dispensável para os próximos anos). Mas preferi reproduzi-lo na versão original porque a previsão, embora tecnologicamente acertada, ainda não se concretizou em sua concepção colaborativa, e me pareceu adequada para inspirar os leitores da nova geração de jornalistas que se empenharam em ler este artigo até o fim. ■ Flavio Ferrari é Head of Ad Innovation & Strategy da CNN Brasil, consultor de inovação e caçador de tendências SHUTTERSTOCK.COM

12 JULHO | DEZEMBRO 2021 “Jornalismo e as redes sociais: a importância da relação do jornalista com o público na produção de conteúdo jornalístico.” Este foi o tema do 5º Seminário Internacional de Jornalismo da ESPM. Desenvolvido em parceria com a Columbia Journalism School, o encontro aconteceu no dia 29 de setembro, em uma plataforma virtual da ESPM, e contou com a participação da professora Elena Cabral, assistente do reitor para programas acadêmicos e comunicações da Columbia Journalism School. Segundo ela, o presente do jornalismo já passa pela utilização do conceito de crowdsourcing, que convida o público a colaborar na construção da história. “Dados do State of Journalism Report indicam que metade dos americanos consome notícias on-line, via Twitter, Facebook e Linkedin. Logo, os jornalistas precisam saber usar suas redes sociais para fazer perguntas, monitorar as notícias de última hora, encontrar fontes confiáveis, solicitar dicas de notícias e compartilhar seu trabalho”, ensina Elena, ressaltando o enorme valor que representa a interatividade oferecida pelos canais virtuais. “O público demonstra mais interesse em conteúdos participativos. Daí a importância de trabalhar o conceito de crowdsourcing e assim utilizar o público como fonte de histórias, como fez o jornal The Guardian, em 2014, com o projeto “The counted”, uma plataforma criada para manter atualizado o número de cidadãos assassinados pela polícia, sem dados governamentais, e que era abastecida com dados na vizinhança. Membro da equipe de Assuntos Acadêmicos e conselheira do corpo docente da seção de estudantes da National Association of Hispanic Journalists na Columbia University, Elena já foi redatora do The Miami Herald, além de escrever para Vibe, Marie Clair, Commonweal e Poder. Também já trabalhou como editora da Scholastic News e redatora da revista da Fundação Ford. Maria Elisabete Antonioli Revista de Jornalismo ESPM – Conte sobre sua carreira como jornalista: onde você começou a trabalhar, quais os veículos em que trabalhou, quais funções? Elena Cabral – Quando ainda era estudante na faculdade de jornalismo, fui escolhida para fazer uma reportagem sobre questões locais no bairro de Queens para o NewYorkNewsday, um jornal que cobria os cinco bairros da cidade de Nova York. Depois de me formar na J-school, me tornei estagiária da Newsday. Então, fui trabalhar para o Miami Herald cobrindo escolas e bairros no condado de Broward. Mais tarde, tornei-me redatora da equipe. No Herald, cobri grandes histórias como a chegada de Elian Gonzalez e as eleições presidenciais de 2000, altamente contestadas. Revista de Jornalismo ESPM– Quando você começou a trabalhar na área acadêmica? Elena – Depois que deixei o Miami Herald em 2003 e tive meu primeiro filho, fui convidada por um ex-professor e mentor, Samuel Freedman, para ajudá-lo a dar a mesma aula de reportagem que tive com ele quando era aluna. Então, eu dei minhas próprias aulas, dirigi o Novas formas de comunicação programademestradoeme tornei umaconselheira de carreira na Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia. Revistade JornalismoESPM– Qual omotivo que a levou para a área acadêmica? Elena – O trabalho na área acadêmica, no início,me deu flexibilidade para escrever artigos para revistas como freelancer e cuidar demeus filhos pequenos,mas depois percebi o quanto gostava do trabalho e, também, o quanto eu poderia ajudar jovens jornalistas. Entãoacabei ficandonauniversidadeem tempo integral na área administrativa e comoprofessoraadjuntaapartir de2004. Atualmente eu sou assistente do reitor para assuntos acadêmicos e comunicações. ENTREVISTA ELENA CABRAL ARQUIVO/CJR

REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 13 Revista de Jornalismo ESPM– Como você vê a profissão de jornalista atualmente? Elena – Eu vejo o jornalismo mais importante do que nunca. Atualmente, com as democracias do mundo sendo minadas por líderes autoritários, a prevaricação precisando ser exposta, a ganância corporativa, o racismo e discurso de ódio em alta, a desinformação sobre Covid-19 e as eleições apresentando graves ameaças, o papel do jornalismo é fundamental. Revista de Jornalismo ESPM – Você acredita que com a cobertura da imprensa durante a pandemia o jornalismo se fortaleceu? Elena – Se fortaleceu muito. Pessoas em todo omundo confiaramfortemente emreportagens emtempo real sobre a pandemia e emrepórteres investigativos paramanter os órgãos públicos alertas. As informações fornecidas por líderes governamentais foramconfusas e, emalguns casos, totalmente falsas. Nos Estados Unidos, algumas dessas falsidades foramecoadas por organizações que afirmavam ser agências de notícias independentes, mas essencialmente atuaram como porta-vozes da administração de Donald Trump, que desafiou cientistas, atacou a grandemídia ementiu repetidamente para o povo americano. Revista de Jornalismo ESPM – Durante a pandemia os jornalistas precisaramrapidamente adequar suas práticas em função do distanciamentosocial. Oquedevepermanecer e o que teve bons resultados? Elena – Os jornalistas devem continuar a observar as diretrizes e ordens estabelecidas pelas autoridades de saúde locais e nacionais, como o uso de máscaras ao entrar em prédios e residências públicos e privados. No que se refere às novas práticas para se fazer jornalismo, temos, por exemplo, a utillização predominante do Zoom e de outras plataformas de chat por vídeo que tornou possível entrevistar fontes de diversos locais e em tempo real. Isso, semdúvida, continuará sendo uma ferramenta vital. As mídias sociais também ofereceram aos repórteres possibilida-

14 JULHO | DEZEMBRO 2021 des de verificação de pontos críticos para surtos do vírus, protestos e desastres naturais aos quais, de outra forma, eles não teriam acesso. Pelas mídias sociais temos possibilidade de assistir a vídeos e ver fotos que são úteis, mas também perigosos se não forem verificados corretamente. RevistadeJornalismoESPM– Como você vê aatuaçãodo jornalistanas redes sociais? Elena – Acho que os jornalistas devemparticipar ativamente das redes sociais para fazer perguntas, monitorar as notícias de última hora, encontrar fontes confiáveis, solicitar dicas de notícias e compartilhar seu trabalho. Mas eles precisam lembrar que, quando expressam opiniões pessoais ou criticamoutras figuras públicas com suas próprias palavras (em vez de compartilhar artigos bem divulgados que oferecem fatos para expor delitos), podem torná-los e suas organizações de notícias vulneráveis a ataques. O Twitter, por exemplo, continua sendo uma ferramenta vital para jornalistas, mas, infelizmente, jornalistas podem se tornar alvos de grupos que os acusam de ter uma agenda política. Esses trolls da internet tentamdesacreditar os jornalistas e espalhar desinformação para promover suas próprias agendas. Revista de Jornalismo ESPM – Quais as possibilidades do YouTube e do TikTok para fazer jornalismo? Elena – Percebi durante o auge do movimento Black Lives Matters em 2020 que muitos vídeos de protestos e confrontos entre vizinhos, quenemsempreeramtransmitidos no noticiário da TV, ajudavam a mostrar oqueestavaacontecendonaqueles dias emuma escalamais ampla e tambémcomo o americano médio estava reagindo. Esse é o tipo de percepção útil para os jornalistas identificarem áreas geográficas e populações que podem oferecer uma visão mais ampla e profunda do clima político atual. Muitas agências de notícias se concentraram em grandes cidades como Nova York, Los Angeles, Minneapolis e Atlanta. Mas haviamuitacoisaacontecendoemcidadesmenores em todos os EUA que você realmente só podia ver no TikTok e no YouTube. Revista de Jornalismo ESPM – Grandes investigações jornalísticas, por meio de consórcios de mídias, têm colaborado para mostrar corporações e pessoas envolvidas em fraudes e corrupções. Comente sobre um desses trabalhos. Elena – O surgimento dos chamados “Facebook Papers” é de longe a exposição mais contundente do gigante da mídia social e de seu fundador, Mark Zuckerberg. Esses papéis incluem milhares de documentos internos obtidos por uma ex-funcionária do Facebook, Frances Haugen, e revisados por um consórcio de organizações de notícias. As entrevistas e reportagens adicionais desses repórteres ajudaram a dar ao mundo uma visão detalhada do que esta empresa sabia sobre o impacto do conteúdo enganoso e prejudicial nas sociedades ao redor do mundo. Revista de Jornalismo ESPM – O empreendedorismo é hoje uma possibilidade real para jornalista? Elena– Eu acredito que é possível empreender com o treinamento certo, conhecimento digital, conteúdo forte e repórteres competentes. Um bom exemplo disso é o podcast Radio Ambulante, cofundado por nosso professor Daniel Alarcón e sua esposa Carolina Guerrero, de sua casa em Oakland, Califórnia, em 2012. A ideia deles era produzir histórias longas da América Latina em espanhol. A ideia disparou e, em 2016, a Rádio Pública Nacional passou a ser distribuidora exclusiva da Rádio Ambulante, que já produziu mais de 200 episódios em mais de 20 países e tem mais de oito milhões de downloads por ano. Daniel Alarcón ganhou recentemente uma bolsa de US$ 625.000 da Fundação MacArthur, também conhecida como “Genius Grant”, para inovadores criativos. Acredito que essa conquista inspira outros a seguir seu exemplo. Revista de Jornalismo ESPM – Em relação aos novos modelos de negócios de mídia, o que deve prosperar. Elena – O trabalho colaborativo entre organizações de notícias, sites investigativos sem fins lucrativos e escolas de jornalismo como a Columbia provaram que são modelos promissores na cobertura de notícias locais em particular. Nossos bolsistas de pós-graduação no jornalismo investigativo da Columbia têm conseguido realizar um trabalho impactante com parceiros profissionais, especialmente na área de acesso de eleitores, impacto das mudanças climáticas e condições de trabalho de auxiliares de saúde domiciliar. ■ ENTREVISTA ELENA CABRAL

REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 15 no último dia 29 de setembro, aespmeacrj realizaram a quinta ediçãodoSeminárioInternacionalde Jornalismo, nomelhor estiloon-line! Em um ambiente virtual, grandesmestres domundodigital discutiram pontos cruciais para fazer as notícias fluírem nas mídias e transitarem entre os canais de forma natural, correta e segura, evitando assim a disseminação das temidas fake news. Com apresentação da professora Patrícia Gil, o seminário teve início com a fala do presidente da ESPM, Dalton Pastore, seguida pela participação do professor José Roberto Whitaker Penteado, editor da Revista de Jornalismo ESPM, e da palestra da professora Elena Cabral, assistente da reitoria para os programas acadêmicos e de comunicação internacionais da Columbia University. Por fim, uma mesa-redonda mediada pelo professor Antonio Rocha Filho encerrou o encontro com chave de ouro. Tendo como tema “O relacionamento entre os jornalistas e os diferentes públicos”, o debate teve a participação deFabianaOliveira (apresentadorae repórter especial do Domingo Espetacular na Record), Mauro Beting (apresentador doSBT, TNTeJovem Pan) e Phelipe Siani, apresentador da CNN Brasil. Acoberturamultimídia da quinta edição do Seminário Internacional deJornalismovocêconferenoendereço: https://jornalismosp.espm.edu. br/producao-de-conteudo-e-redes- -sociais-confira-a-cobertura-multimidia-do-5o-seminario-internacional-de-jornalismo/ ■ Os desafios da imprensa Profissionais do mercado, da CJR e da ESPM discutem as boas práticas do setor durante o 5º Seminário Internacional de Jornalismo ENQUANTO ISSO NO BRASIL...

16 JULHO | DEZEMBRO 2021 o ano que passou foi bem traumático. Agora, com o avanço da vacinação e a reabertura econômica, o mundo se volta à renovação e à reconstrução. Omeio jornalístico não é exceção. Desde o primeiro semestre de 2020, apesar do excelente trabalhoque amídia fez sobre a pandemia –uma cobertura que salvou vidas –, as deficiências da imprensa também ficaram dolorosamente à vista: a incapacidade de abordar uma multiplicidade de fatos interconectados; a tendência a se deixar distrair por demagogos e desinformação; a deplorável marginalização de públicos e colegas negros. O futuro do jornalismo por kyle pope Diante desse cenário, a escolha à nossa frente é entre o retorno incremental aopontonoqual estávamos e uma transformaçãomais fundamental de nossopapel. O títulodesta ediçãodigital da revista–“Oqueé jornalismo?” – enveredapor esse segundo caminho. Esperamos que desperte questionamentos fundamentais para você também. Este foi oprojetodigitalmaisambiciosoque já fizemosnaCJR.Ao longo deumasemanasoltamosdiariamente um novo capítulo virtual, sempre explorando alguma questão ligada aos princípiosmais fundamentais do jornalismo: quem pode se dizer jornalista? Onde pode ser feito o jornalismo?Como éproduzido edistribuído? Quando interagimos com ele? E, por último – com a confiança na imprensa em seu pior momento –, por que se dar ao trabalho de fazer jornalismo em primeiro lugar? Este projeto nasceu de considerações de caráter prático: como muitos de nossos assinantes não Indústria da notícia tenta se reinventar e assumir papéis mais relevantes na sociedade em ummundo pós-pandemia QUEM | QUANDO | COMO | ONDE | POR QUÊ E O QUE ESTÁ POR VIR. . .

REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 17 ILUSTRAÇÃO: ANDRÉ BARROSO/FOTOARENA estão no local de trabalho onde recebem a edição impressa da revista, concluímos que não fazia sentido enviar algo que jamais veriam. Mas, como costuma acontecer com ideias como essa, o que partiu como uma solução provisória logo virou muito mais que isso. Sou especialmente grato a Betsy Morays, editora-executiva da CJR, e à equipe da Point Five, a firma que desenha a revista, que abraçaram o desafio de criar algo que até então nunca tinha sido feito. Para tratar do assunto em pauta, e honrar os novos modelos de narrativa que constituem a mídia hoje em dia, estamos empregando uma série de formatos: nos próximos dias, além de grandes reportagens e colunas em forma de texto, você verá conteúdo em áudio, material interativo, uma série de diários e uma história em quadrinhos – tudo de um grupo variadíssimo de colaboradores e personagens. A esperança é que, ao explorar as fronteiras de nossa profissão – onde o jornalismo encontra a arte, a organização comunitária, o humor e a conspiração —, possamos encontrar inspiração e traçar limites importantes. De certo modo, esse projeto dá seguimento a um tema que tem consumido nossa atenção há mais de um ano, quando a CJR organizou um simpósio on-line entre os dias 15 e 16 de setembro de 2020, na esteira de manifestações antirracismo que ocorriam na época. No evento (“The New Journalism: Rethinking the News”), falamos sobre como o jornalismo deveria mudar. Em dezembro do ano passado, lançamos uma edição impressa que chamamos de “What Now?”, mostrando como a indústria da mídia vinha sendo obrigada a se reinventar. Com “O que é jornalismo?”, vamos ainda mais fundo nesse questionamento sobre nossa atividade – tanto que nos referimos a isso como “A questão existencial”. Perguntamos: quem disse que não podemos dar a notícia por livestreaming, por frequência de rádio pirata ou por mensagem de texto? Por que o trabalho jornalístico não deveria ser belo? Precisamos sempre revelar nossa identidade? O que é a verdade e como ter certeza de que a conhecemos? E por que alguém realmente precisaria de uma credencial de imprensa? O último ano – a última década, na verdade – foi difícil para nossa profissão. Milhares de colegas perderam o emprego; dezenas de meios fecharam; milhões de leitores partiram para outra. E a triste realidade é que é quase garantido que mais notícias difíceis virão, com o impacto econômico da pandemia se revelando em sua totalidade. Em meio aos destroços, no entanto, é possível encontrar rastros de otimismo. Chegamos a um momento crucial e promissor, no qual é preciso reconceber a natureza do setor. É uma oportunidade para fazer nada menos do que reinventar o jornalismo. ■ kyle pope é editor-chefe e publisher da Columbia Journalism Review Texto publicado na edição impressa da Columbia Journalism Review (spring 2021), disponível emwww.cjr.org

18 JULHO | DEZEMBRO 2021 por emily bell naesteiradamortíferainsurreiçãonasededocongressoamericano, o Capitólio, plataformas de tecnologia foramobrigadas a reconhecer o papel que tiveramemenvenenaroclimanamídiaamericana, nacondiçãodeprincipaisdistribuidoresdenotíciasnomeiodigital e fontedemuitadesinformação. Facebook,TwittereGoogleagiramcomonuncaantes: oTwitterpassouaalertarparamentiras incendiáriasdeDonaldTrump, removeucertaspostagens e, no final, suspendeu sua conta; o Facebook o baniu por incitar a violência. De umdiaparaoutro, serviçosdehospedagemde sites tiraramdoar a rede social Parler, popular entre a extrema direita. Plataformas que tinhamgerado e sustentado umgoverno tóxico agora abandonavamseu hitmakermais falacioso. A grande desplataformização de janeiro de 2021 teve um efeito imediato: alémde Trump, milhares de contas dedicadas a teorias da conspiração sumiramda internet. A impressão foi a de uma inflexão que empresas de tecnologiavinhamadiandohámuito–atéqueapandemiachegouedeuumprimeiro empurrão: emmarço de 2020, o presidente do Facebook, Mark Zuckerberg, anunciou a criação de um “centro de informações sobre o coronavírus” que colocaria “informações oficiais” no topo da feed de notícias (“Ninguémpode sair gritando ‘Fogo!’ emum lugar cheio de gente, e acho que sair espalhando desinformação em meio a uma pandemia como essa é parecido”, detalhou Zuckerberg em teleconferência aos jornalistas.) Na sequência, plataformas passaram a criar novos recursos e a responder diretamente à desinformação. Emmaio, o Twitter colocou uma advertência pelaprimeiravezemumtuítedeTrump, avisandoqueotextocontinha“informações possivelmente falsas sobre processos eleitorais”. Ainda naquelemês, depoisdeapolícia termatadoGeorgeFloyd,Trumppostoucomentários racisLeia sempre o rótulo Como as plataformas de tecnologia separam o joio do trigo e decidem o que conta ou não como jornalismo em todo o mundo? tas que o Twitter ocultou por trás de um alerta, com o aviso de que infringia normas ao glorificar a violência. Tudo isso se seguiu a um período de 40 anos de desregulamentação da mídia – como disse recentemente a deputados no Congresso americano – que criou um ambiente “otimizado para o crescimento e a inovação, não para a coesão e a inclusão cívicas”. O resultado, como vimos, foi a propagaçãodesenfreadadedesinformaçãoede extremismo.Sóquedarumfimamovimentos fascistasmilitarizados –e evitar outro ataque a umedifício público – exigirámais do que remover conteúdo.Empresasdetecnologiaprecisam recalibrar fundamentalmenteomodo comocategorizam,promovemedistribuemtudosobsuabandeira, especialmente notícias. Precisam reconhecer sua responsabilidade editorial. O extraordinário poder de plataformas de tecnologia de decidir que material vale ser visto – na definição mais vaga possível de quem conta como “jornalista” – sempre foi fonte deconflitocomveículosde imprensa. Essas empresas foram agora colocadasnaposiçãodeseremconsideradas responsáveisporcriarumecossistema de informaçãobaseadoemfatos.Não está claro o quanto estão dispostas a fazer, se vão realmente investir em mecanismos pró-verdade em escala global. Mas é patente que, depois da invasãodoCapitólio,nãohácomotudo voltar a ser como antes. Batalha contra a desinformação Entre2016e2020, Facebook, Twitter eGoogle soltaramdezenas de comunicadosprometendoaumentar avisibilidade de jornalismo de alta qualidade e erradicar a desinformação daninha. Disseram estar investindo QUEM | QUANDO | COMO | ONDE | POR QUÊ E O QUE ESTÁ POR VIR. . .

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