Revista de Jornalismo ESPM

6 JANEIRO | JUNHO 2022 da desinformação. Antes de tudo, estão em ação as agências de checagem, que crescem ininterruptamente e tendem a provocar uma promissora bifurcação no exercício do jornalismo, de um lado, a tradicional produção e interpretação de notícias fiéis à verdade dos fatos, de outro, os motores de autenticidade que higienizam a deterioração dessa verdade. Há também as ações visando à regulação das fake news e das plataformas de tecnologias, as big techs, tema que passa pelo fio da navalha do resguardo da liberdade de expressão e que tem levado a discussões controversas. Existem igualmente as iniciativas de organizações não governamentais emdefesa da democracia e dos direitos humanos, assim como os ativismos nas próprias redes para a divulgação dos estragos provocados pela desinformação. Há, como não poderia faltar, a insistência na educaçãomidiática e, atémesmo, já aparece o uso da inteligência artificial em análises preditivas de risco e avaliações semânticas de mensagens enganosas e antiéticas. Tudo isso está em um andamento contínuo para a constituição de um campo de contraforça significativo que reclama por adesões de várias ordens. Entre elas, defendo que a tarefa de bem compreender não encontra nunca seu ponto final, nem deveria, diante da complexidade e opacidade dos fatores que se apresentam. Buscar vias de clareamento da opacidade é uma das chaves para melhor agir. Diante disso, proponho problematizar dois temas que, tanto quanto é do meu conhecimento, as discussões até agora levadas a cabo ainda não enfrentaram em sua radicalidade, a saber, a eleição do termo desinformação em detrimento de fake news e a necessária problematização do que continua a ser chamado e entendido por mídias, já que é esse entendimento que a propalada educaçãomidiática também toma por base. Há algumas razões que têm norteado a recusa do uso da expressão “fake news” e levado à sua substituição por “desinformação”. Em primeiro lugar porque fake news, que emportuguês se traduz por notícia falsa, oumelhor, feita para enganar, não é considerada adequada para descrever e denunciar os fenômenos de poluição e desordem informacional. Deve-se evitá-la, em segundo lugar, devido ao fato de que políticos tomaram a expressão a si para criticar, reprimir e minar a credibilidade da imprensa livre como se ela fosse a fonte da falsidade, justamente quando não são acobertados pela imprensa os fatos políticos que devem ser denunciados. Um outro argumento bastante acolhido pelos jornalistas profissionais vai na seguinte direção: “se são notícias, não podem ser falsas. Portanto, se são falsas, não podem ser notícias”. Quer dizer, se “notícias” significam informações verificáveis de interesse público, então as informações que não atendem a esses padrões não merecem o rótulo de notícias. No fundo, portanto, o que os jornalistas buscam com esse argumento é reivindicar a integridade da tarefa que lhes cabe como profissionais. Produzir notícias e zelar por sua fidelidade à verdade factual, para usar a expressão cunhada por Hanna Arendt, é justamente aquela que compete ao jornalista desenvolver e por ela zelar. Para isso, é necessária uma formação específica que prepare a pessoa para fazer frente às tarefas, principalmente éticas, que isso envolve, exatamente o que falta às enxurradas de diatribes que correm pelas redes digitais. Tudo estaria assim perfeitamente justificado. Contudo, os argumentos não são inteiramente “As agências de checagem tendem a provocar uma promissora bifurcação no exercício do jornalismo, de um lado, a tradicional produção de notícias fiéis à verdade dos fatos, de outro, osmotores de autenticidade que higienizam a deterioração dessa verdade”

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