Marco_2006 - page 22

Existiriaumcomportamentodoconsumidor pobre
ouumapobrezadeestudosnestaárea?
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R E V I S T A D A E S PM –
M A R Ç O
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A B R I L
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mais imediatistas, fatalistas, envol-
vendo-se em empréstimos desfa-
voráveis, buscando menos infor-
mações edependendomais daopi-
nião externa para formar seu
julgamento (CAPLOVITZ, 1963;
COLEMAN, 1983; SIVADAS, MAT-
THEWeCURRY,1997;HILL,2002).
Estes estereótipos carecem de
comprovação empírica e mais,
quando sãobaseadosempesquisas,
estas foram feitas em sociedades
como a norte-americana, que tem
níveis depobrezabastantedistintos
dos da sociedade brasileira.
Uma das constatações levantadas
no citado trabalho de campo foi a
de que existe uma certa busca ime-
diata por gratificação. As pessoas
entrevistadas diziam que era
impossível haver sobras, ou guardar
para uma eventualidade, mas todas
estavam de alguma forma pagando
um carnê ou uma prestação. Havia
uma crençadequenão erapossível
pensar no futuro, mas isto seria um
traço do brasileiro, pois a classe
média também não tem hábitos
fortes de poupança. Onde estaria a
diferença? Pode-se dizer que a
diferença estaria no fato dos pobres
se encontrarem bem mais vulne-
ráveis.Porexemplo,umconsumidor
típico de classe média tem conta
em banco e plano de saúde, já o
pobrenão.Ou seja, elesnãopodem
contar com alguns dias de cheque
especial e quando acontece um
acidente, uma doença ou outro
imprevisto, a solução é pegar um
empréstimo a juros exorbitantes em
financeiras ou agiotas. A classe
média tem, dealguma forma,meca-
nismosqueamortecemospercalços,
como segurode carro e de saúde, o
quenãodeixadeserumapoupança.
Outra diferença está no próprio
significadodosprodutos financeiros.
Entre os pobres, ter conta embanco
é um símbolo de status e
empréstimoéapiorcoisadomundo.
O que não significa que os
empréstimos não sejam utilizados,
pelo contrário, os empréstimos, em
financeiras principalmente, são na
maior parte das emergências a
única fonte disponível. Dado que a
taxa de “bancarização
4
” no Brasil é
de apenas 30 a 50%.
Uma outra característica levantada
na pesquisa, e que foi corroborada
pelo levantamento bibliográfico de
antropologia, foi a solidariedade.
Na comunidade da Rocinha havia
uma forte rede social de suporte.
Os laços familiares e de amizade
pareciam ser mais fortes do que na
classe média. Talvez por contar
bemmenos com serviços públicos,
a comunidade depende dela mes-
ma para se virar. Existe uma espé-
cie de obrigação moral de ajudar
aos próximos ede retribuir. Isto fica
claronapráticamaisdoquecomum
de se “emprestar onome”.Quando
alguém está com o nome sujo, ou
seja, inadimplente, ele pede a um
amigo que compre algo com a
prestação no nome deste amigo.
Este “empréstimo” de nome não é
uma prática comum na classe
média, enquanto nas classes mais
baixas ele é bastante recorrente. As
obrigações morais fazem com que
seja impensável negar o emprés-
timo do nome já que não há di-
nheiro para emprestar.
Umoutro fatocurioso levantadona
pesquisa foi a constatação de que
omitodo“pobrebompagador”não
se mostrou muito real. O famoso
caso da Casas Bahia foi bastante
estudado por ser uma empresa
voltada para os pobres e que tem
um índice de inadimplência baixo,
comparado com o do setor. Estaria
Aconclusãoaquesechegaéqueospobrespassemaser tratados
comoconsumidoresexigentes,quebuscampreçobaixo,mas também
prezampelaqualidadeepelovalordasmarcas.
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