Revista da ESPM MAR-ABR_2007

145 MARÇO / ABRIL DE 2007 – R E V I S T A D A E S P M Paco Underhill é geógrafo urbano e antropólogo do varejo. Considerado o fundador da ciência das compras, criou a Envirosell, empresa de pesquisa e consultoria para algumas das maiores empresas norte-americanas. em a pretensão de julgar moralmente nossa sociedade, somos uma espécie compradora. Quer seja vagando pelos mercados do Oriente Médio ou da Ásia, ou pela antiga Bloomingdale da Rua 59, as escolhas que fazemos e respectiva troca de bens por dinheiro são um bom termômetro da nossa evolução. Pesquisas realizadas dos dois lados do Atlântico indicam que mais de 60% das compras com que saímos da mercearia, do shopping center são itens que não tínhamos a intenção de comprar ao en- trar. Tal padrão de comportamento criou uma espécie de curioso viés nas marcas e marketing do século XX. É impressionante a quantidade de produtos cujamaior parte do processo decisório de compra é feita dentroda loja.Aindaque cruzemos aporta de entrada tendo em mente uma marca específica e nos policiemos quanto ao que comprar, algodemuito especial acaba acontecendo nos corredores das lojas. Por um lado, criou-se um novo campo de batalha: a biologia e a ergometria (o estudo da mensuração humana) e, por outro, a tecnologia e o planejamento de exposição dos produtos nos estabelecimentos comer- ciais. O design das lojas, a sinalização e a exposiçãovisual dos produtos deixoude ser meroarranjoartísticoparatransformar-seem ummistodecriatividadeeciência.Odesafio éidentificaroquepermaneceuintocadoeo que está em vias de transformação. Boa parte das constantes da equação está relacionada ao modo como nos desloca- mos e observamos as coisas.Amaior parte das pessoas é destra – tem a inclinação natural de seguir sempre à direita –, as- sim como os braços e pernas direitos são mais fortes. Noventa por cento da popu- lação estendem o braço ou a mão direita para pegar um objeto. Os comerciantes sabemdisto. Por conheceremo “caminho natural” que adotaremos, posicionam os produtos ao alcance da mão dominante baseando-se num atributo “biologica- mente intrínseco”. A moda é um bom exemplo.As lojasGAPeZARAutilizam-se destas noções para decidir o quê e onde expor. Decidem onde colocarão seus cartazes e qual o traçado do percurso até determinada vitrine ou ponto focal. O comprimento do braço de um ser humano também é medida conhecida. Mulheres de estatura entre 1,60 e 1,70m, ainda que comuma variação aproximada de 5 cm, alcançamaté determinada altura que conhecemos de antemão. Gostamos de objetos expostos ao alcance da mão. Istovalepara frascosdeesmalte. Épreferível que estejamao alcance damão do que no alto da gôndola, ainda que fiquem mais visíveis e atraentes. Uma vez casada a definição de padrões com o comprimento dos braços, é fácil saber a que altura os trajes serão expostos. Qualquer prateleira a cerca de trinta e duas polegadas de altura é convidativa para expor suéteres. A isto denomina-se de “acariciar” os produtos. É tão simples que chega a ser cômico: os consumi- dores vêem, “acariciam” as mercadorias expostas na vitrine e entram na loja. Se você vier a comprar uma dessas peças, assegure-se de lavá-la antes de vesti-la pois, seguramente, haverá as impressões digitais e os germes de centenas de pes- soas que passaram por ali antes. DeTóquioaLosAngeles,oritmocomquea nossavistaenvelheceéomesmo.Deixando de lado as cirurgias a laser, é líqüido e certo que as tonalidades de cores percebidas por uma jovemde 25 anos não são asmesmas queporumasenhorade50.Coisassimples comoaacuidadevisualdefinemospadrões pelosquaisprocessamosasinformaçõesdo meioambiente. Há um problema, porém: a maioria das pessoas que trabalham por trás das telas dos computadores em CAD- CAM tem menos de 30 anos e as pessoas de mais idade não captam os padrões de cor da mesma forma de quem os dese- nhou. A ironia é que a linguagem visual humana evolui mais rapidamente que os idiomas com os quais nos comunicamos e/ouescrevemos livros. Emais, aindaque a vista esteja cansada, não é o que ocorre na conexão com os neurônios cerebrais, que funcionammelhor que nunca. Umaboa iluminaçãoaindaéamaisbarata das ferramentas de merchandising. Basta a luz de um projetor contra fundo fixo escuro para transformar qualquer vestido – ou um nabo – em verdadeiros heróis. A comparação entre moda e vegetais não é forçada. Lojas como Zara, Mango e H&M revolucionaram o mercado, ao exporem roupas baratas em cenários tea- trais, da mesma forma como modernos supermercados expõem alimentos com alta margem de lucro na altura certa e de maneira atrativa. Em meus roteiros teatrais, costumo colocar um caixote de truques de mágica aberto no vestiário. O ideal é que cada ambiente disponha de PACO UNDERHILL O QUE VOCÊ VÊ É SÓ A PONTA DO ICEBERG VARE J O:

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