Revista de Jornalismo ESPM - 28

38 JULHO | DEZEMBRO 2021 jogomudaramde vez. Quando qualquerumna ruapodia registrar aquilo que via, a todo momento e em todo lugar havia o embrião de uma reportagem. Gravações no improviso, sorrateiras, caíram no gosto de um público que basicamente desconhecia o código de ética do jornalismo profissional. Expectativasdeprivacidademudaram. “Precisamos repensar o que queremos dizer com ‘clandestino’ emummundo no qual tem gente sendogravadaporpessoas com aparelhos portáteis em eventos (...) que acham que estão fora da vista pública”, diz Kathleen Hall Jamieson, professora de comunicação e diretora doAnnenbergPublicPolicy Center da University of Pennsylvania. Talvez por isso, lá no mercado emXangai, nãohesitei emfilmar sem o consentimento do Kevin. A coisa ficou aindamais fluida na internet, onde era possível observar livremente a vida virtual dos outros comumgraude intimidadequesuperava atémesmo o doMirageTavern. Às vezes, oqueaspessoaspostamnas redes sociais –emfóruns da extrema direita, digamos – revelamais doque um jornalista poderia esperar ver e ouvir em pessoa. Com uma conta falsa, por exemplo, dá para ser totalmente invisível: um “usuário” anônimo, capaz demanter uma vigilânciaestreita sobodisfarcedeumcomportamento normal na internet, da mesmíssima maneira como minha geração vive desde a adolescência. Para umrepórter, a verdade está aí a distância de umclique, semnecessidadede credencial de imprensa, sem precisar convencer fontes, semninguém controlando pequenos ardis. “Acho que não sabemos onde estão os limites hoje em dia, nem no jornalismo institucional, normatizado”, avalia Jamieson. Toda história tem limites Em 2006, Ken Silverstein, à época editor de política daHarper’s, comprou um terno impecável, uma pasta de couro e um celular com umnúmerodoReinoUnido e começou a entrar em contato com a nata dos lobistas na capital americana, Washington. Por e-mail, dizia que seu nome era Kenneth Case, personagem inventado que representava uma consultoria fictícia – a “The Maldon Group” – que, segundo ele, tinha interesses econômicos noTurcomenistãoequeriamelhorar a imagem do governo do país para valorizar junto o investimento. A meta, escreveuSilversteinnoano seguinte, era descobrir quantos lobistas americanos se interessariamnapossibilidade de representar os interesses de umregime “sóumpoucomenos stalinista” do que o daCoreia doNorte. “Não era nada feito pelas costas, obviamente”, salientaSilverstein, ressaltando que tudo havia sido combinadocomseus chefes. “Conversamos para ver se era correto e concluímos que sim.” Silverstein passara anos cobrindo o lobby em Washington, mas os limites estritos àquilo que lobistas podiamdivulgar impediam que descobrissemuita coisa alémde que firmas aceitavamtrabalhar para ditaduras violentas e quanto recebiam por esse trabalho. Para saber que tipo de promessa aqueles lobistas faziam e como agiam para cumprir o prometido, decidiu que teria de agir sob disfarce. Li pela primeira vez a reportagem de Silverstein quando ainda não era jornalista e, como no livro de Conover, achei suas revelações convincentes e seus métodos aceitáveis – sobretudo porque Silverstein explicou com muita clareza por que precisou fazer aquilo para conseguir a informação. Nem todo mundo concordou (“Não importa quão boa seja a informação”, opinou HowardKurtz no Washington Post. “Mentir para consegui-la torna o jornalista tão questionável quanto seu objeto.”) “Aquilocriouumapolêmica no meio jornalístico. Mas acho que há um grande descompasso entre o mundo jornalístico e a maioria dos americanos”, assegura Silverstein. Em geral, o leitor está mais interessado em saber quais lobistas trabaEm1887,paraescrever Dezdiasnumhospício,NellieBlypassounoitesemclaro parasimularsintomasquealevariamparaummanicômiodeNovaYork.Lá, Blysentiunapeleoabusoeanegligênciaaquepacienteseramsubmetidas QUEM | QUANDO | COMO | ONDE | POR QUÊ E O QUE ESTÁ POR VIR. . .

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