Revista de Jornalismo ESPM - 28

REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 37 son se infiltrou, comseu jornalismo gonzo, entre motociclistas da gangue Hell’s Angels. Enquanto narrava as violentas aventuras dobando, Thompson se achegou de tal forma aos personagens que a certa altura estava defendendo crimes abomináveis como o estupro. Ainda naquela década, Thompson, Tom Wolfe e outras figuras do New Journalism então nascente buscaram resolver dilemas éticos do ofício colocando o autor no centro da narrativa: iludir (o outro ou a simesmo) não é, afinal, uma abstração, mas um problema universal. Ao escancará-lo para o leitor, com a prosa na primeira pessoa, o autor despertava não só a confiança, mas criava a tensão moral. Em 1977, para investigar denúncias de corrupção na gestãomunicipal, o jornal ChicagoSun-Times abriu um bar, o Mirage Tavern. No lugar, repleto de câmeras ocultas, quem atendia os frequentadores eram jornalistas. O resultado foi umespecial de 25 reportagens que expôs a participação de autoridades de Chicago em fraudes contra o fisco, extorsão e até infração de normas de saúde e segurança que representavam um claro perigo para a população (a série “Mirage” foi indicada ao Pulitzer, mas não ganhou; Ben Bradlee, editor executivodo WashingtonPost e membro do júri do Pulitzer, não engoliu os métodos pouco ortodoxos usados na apuração). Com o tempo, a forma suplantou a função. Na década de 1990, programas como o Dateline, da emissora NBC, já praticavam uma mescla de reality show, jornalismo sensacionalista e drama policial; nessa linha, o programaToCatch a Predator, daMSNBC, fazia “batidas” com câmerasocultaspara flagrar supostos pedófilos (a certa altura, o To Catch a Predator virou ele próprio alvo de denúncia, quandooutroprograma, o 20/20, foi apurar amortedeumpromotor públicodoTexas que se suicidou quando a equipe de filmageme a polícia bateramà sua porta; o programa acabou sumindo da grade da emissora). Em 1994, a Vice reduziu a transparência protocolar do New Journalisma uma espécie de pantomima. Produtores de vídeo, emparticular, adoravamuma boa armação: mandaramDennisRodmanàCoreia doNorte, onde o ditador KimJong- -un jurou “amizade eterna” ao astro do basquete; uma equipe comprou maconha (para uma reportagem) em quantidade suficiente para que a Vice fosse considerada uma distribuidora. E teve o dia em que um chefe ali pediu a uma jornalista que se fizesse passar por profissional do sexo para uma matéria sobre prostituição. A moça disse não. Nesse contexto, o jornalismo sofreu uma total inversão, virando performance: o The Daily Show estreouem1996. “Fazíamos tudoexatamente como qualquer outra operação jornalística faria”, disse Beth Littleford, uma das repórteres originais do programa. Era preciso buscar locações, contratar equipe local, validar fontes. “É só que as perguntas eram um pouco mais ridículas”. O The Daily Show virou um fenômeno cultural e pariu toda uma leva de programas que davam a notícia sem se levar muito a sério – e que se desviavam das normas como seu progenitor não fizera. Não tardou para que a enxurrada do infotenimento confluísse coma internet, que vinha chegando. Quando o celular e sua câmara viraram algo inescapável, as regras do Ted Conover trabalhou por um ano como agente penitenciário para escrever o livro Newjack: Guarding Sing Sing, que traz uma visão inédita do ônus que é viver na prisão ILUSTRAÇÕES: TIM MCDONAGH

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