Revista de Jornalismo ESPM - 28

44 JULHO | DEZEMBRO 2021 por simon v. z . wood nomundoda tecnologia distópica, o lançamento em fevereiro de 2020 do videoclipe do single “Bad Decisions”, da banda The Strokes, foi como um tiro que ninguém escutou. O vídeo começa mostrando uma mulher a sós em casa que, para espantar o tédio, aperta um botão que clona os integrantes da banda. No clipe, a banda toca “Bad Decisions” até que a cabeça dos clones cai e amúsica acaba. Emcomentários noYouTube, houve quem reparasse que Julian Casablancas, o vocalista, parecia mais limpinho do que o normal. Outros disseram que a música lembrava muito “Dancing with Myself”, o hit de Billy Idol de 1981. É verdade. Tanto que Idol figura como compositor nos créditos da faixa — o que faz todo sentido quando se sabe que Idol compôs “Dancing with Myself” depois de tocar em uma discoteca no Japão revestida de espelhos, onde as pessoas dançavam com a própria imagem refletida. E faz ainda mais sentido quando se sabe que, embora o clipe seja estrelado por todos os cinco membros do Strokes, nenhum deles atuou nele. A coisa foi assim: uma produtora chamada Invisible Inc contratou cinco atores meio parecidos com os integrantes da banda e filmou todos interpretando “Bad Decisions”. Em seguida, mandou uma batelada de vídeos antigos dos verdadeiros Strokes a um sujeito no Canadá que responde pela alcunha The Fakening. Esse The Fakening descartou boa parte do material recebido, buscou e achou vídeos melhores no YouTube, alimentou e treinou um algoritmo de machine learning com os rostos da banda real e enxertou digitalmente essas faces nos atores. E, voilà: um videoclipe “deepfake” estrelado por doppelgängers sintéticos de roqueiros de Avatar domedo Embarque conosco em uma viagem pelo submundo das deepfakes carne e osso. Os Strokes tinhamsido clonados. Acriaçãode“BadDecisions” sugeriu possibilidades fascinantes. “Eles não tiveramde passar umdia sequer no set para gravar ovideoclipe”, contouThe Fakening—Paul Shales, 40, que antes disso tinha um trabalho chato em marketing em Toronto. “Tenho certeza de que Hollywood já está pensando emalgo como ‘será que dá para simplesmente licenciar Tom Cruise? Ele não teria nem de pisarnoset.’”Shalescomparoua ideia ao filme Simone, de 2002, sobre um cineasta emdecadência queusauma atriz gerada por computador. Salvo que, agora, uma produtora poderia usar um astro já consagrado. “Basta contratarumdublêcomocorpomais sarado, sem camisa. É preciso apenas o rosto do Tom Cruise.” Curioso ele ter dito isso. Ummês após a estreia de “Bad Decisions”, Shales foi a Los Angeles a convite de MattStoneeTreyParker, oscriadores de South Park. Stone e Parker queriam que ele se unisse a um time de ases dodeepfakeque incluíaviralizadores consagrados comoDerpFakes, Ctrl-Shft-Face e Dr. Fakenstein. O grupo tinha planos para umprojeto secreto chamadoDeepVoodoo. Shales topou. Pouco depois veio a pandemia, jogandogentedomundo todo que trabalha atrás de um computador em grids digitais de suas próprias cabeças sem corpo. ODeepVoodoo começou a operar (remotamente)quandoaeleiçãopara presidente nos Estados Unidos se aproximava—e a preocupação com a tecnologia do deepfake crescia. No final de 2017, um usuário do Reddit que se intitulava “deepfakes” — ou seja, que criava versões digitais falsas de gente de verdade usando uma técnica de inteligência artificial chaQUEM | QUANDO | COMO | ONDE | POR QUÊ E O QUE ESTÁ POR VIR. . .

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