Revista de Jornalismo ESPM

8 JANEIRO | JUNHO 2022 Até então, o império da cultura de massas só abrigava a expressão “meios massivos”. Foi a emergência da internet e das novas formas culturais estimuladas pela mediação computacional que fez surgir a expressão “novas mídias” em oposição às mídias tradicionais, também chamadas de “grande mídia”. Entretanto, o contexto dos anos 1990 estava longe de se reduzir a essamera dicotomia. O universo da comunicação já estava abrigando inesperadas misturas engendradas por uma cultura do disponível presente no narrowcasting, na TV a cabo, emdispositivos como vídeocassete, walkman etc., que já começavama desestabilizar a hegemonia da cultura de massas, preparando o terreno para os abalos sísmicos que a Web iria provocar nos processos comunicacionais e na cultura. Não é possível perscrutar a capilaridade da perversão informacional a que estamos assistindo, se não levarmos em consideração a evolução acelerada da Web nos usos humanos que propicia e que se instalou para embaralhar todas as cartas de todos os jogos, não só os da comunicação, mas tambémos da cultura, da economia, da política, com efeitos, inclusive, psíquicos. Hoje, já estamos vivenciando uma segunda idade da internet, ou seja, do salto da digitalização para a dataficação, que, aliás, já está sendo nomeada como era da inlife e do figital e que, de resto, prefiro chamar de fibiogital, para não nos esquecermos de que o biológico também faz parte do imbróglio. Quer dizer, as distinções, que operaram até há pouco mais de uma década entre mídias tradicionais e novas mídias, estão se dissipando em um novo universo de dispositivos, plataformas, aplicativos e multiplicação de telas. Passamos, portanto, de umecossistemamidiático para um ecossistema reticular, conectivo, interativo, expandido e ubíquo, no qual são compartilhadas crenças encapsuladas em bolhas pela ação dos algoritmos. As crenças, por sua vez, são alimentadas por uma sopa de emoções misturadas a afetos na sua maioria negativos e destrutivos, subsidiados por narcisismos patológicos. Diante desse cenário, muitos são aqueles a reconhecer que quanto menos a educação funcionar como um agente eficaz, portador de vida, mais o flanco se abrirá para a passagemdas comportas das fake news e sua consequente desinformação. Afinal, a razão primeira que promove a disseminação desmedida da desinformação não se encontra tão só e apenas na indústria maligna de bots, mas sobretudo na ignorância. Sem duvidar de que as iniciativas que estão sendo tomadas de combate à desinformação são, inegavelmente, capazes de funcionar como umnecessário contrapeso aos malefícios, é preciso constatar que a ignorância se constitui em solo fertilizado para o cultivo de crenças obscurantistas. Os complôs que funcionamnas redes são insuflados por fortes emoções, antagonismos e raiva porque faltam às bolhas a porosidade das incertezas e a busca do saber que só a dúvida e a curiosidade podem promover. São, por isso, fundamentais as preocupações relativas à educação midiática. Todavia, com o cuidado de evitar numerações para a Web, pois aWeb 3.0 que, há alguns anos, nomeava a Web semântica, hoje está sendo empregada para fins mais comerciais do que intelectuais, temos que concordar que, no estágio em que agora nos encontramos, reivindicar uma educação “midiática” soa ingênuo. Com exceção de alguns obstinados e renitentes que recusam o digital à maneira de novos ermitões, hoje estamos em redes, vivemos em redes, socializamos em redes, trabalhamos em redes, entretemo-nos em redes, amamos e odiamos em redes. Isso faz lembrar uma esplêndida palestra de Bruce Sterling, no Transmediale (Berlin, 2015), quando ironicamente declarava que, frente ao digital, você pode fugir para o deserto. Não obstante, “there is no “Se ‘notícias’ significam informações verificáveis de interesse público, então as informações que não atendema esses padrões não merecem o rótulo de notícias, e sim desinformação”

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