Gilles
Lipovetsky
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J A N E I RO
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F E V E R E I RO
D E
2005–REV I STA DA ESPM
democrático e não luxuoso. Hoje,
a novidade é que – por influência
da questão ecológica e de outros
fenômenos, o americano critica o
esnobismo europeu – ou francês –
epropõeum luxoclean, comovocê
observou. Mas é preciso distinguir
entre o discurso e o real, pois, ao
olharparaosEstadosUnidosvemos
aqueles carros enormes, com 10 a
15metros de comprimento. Não se
trata de um luxo de simplicidade –
as limusines. Ou quando se vai a
Bervely Hills ou aos bairros subur-
banos, com as casas de campo... É
preciso cuidado com o discurso
americano, fundamentado no seu
puritanismo e a prática...
JR
– Essa tendência ao clean, à
simplicidade, não é uma coisa
mundial?
GILLES
– Esse fenômeno, que me
pareceprofundo,desdeo séculoXIX
encontra-se inscrito na cultura oci-
dental, democrática. Parece evi-
dente que esta lógica irá continuar.
No entanto, omenos cleannão traz
qualquer problema, já que existe,
na relação com o luxo, algo que
sempre comporta sensualidade.
Acredito que o que se prenuncia,
doravante,nãoéo luxoexterno,mas
– diria – um luxo mais sensorial,
sem ostentação.
JR
– Compreendo.
GILLES
– Por exemplo, você co-
nhece bem o que é chamado de
“soft touch” – todos os materiais
muito sensuais, que se conhecem
na atualidade. Agradáveis ao
toque, ao olhar. Por outro lado, há
o design. O design é bem menos
funcional, hoje, em comparação à
épocadaBauhaus, de1920e1930.
Hoje, háuma infinidadededesigns
direcionados ao conforto, com
cores; por exemplo, joviais e
alegres, que não são necessaria-
mente clean. O clean tem um lado
puritano. Outro exemplo: o trans-
porte, os carros... ou a “primeira
classe” nos aviões, vemos em todas
as partes que a tendência se
direciona para o bem-estar, não
para o clean. Em última instância,
o clean sugere higiene, saúde; mas
o luxonão sedesenvolvemuitones-
sa dimensão. É preciso que haja
também uma dimensão de prazer,
de sensualidade, uma dimensão de
bem-estar, e um novo bem-estar –
centrado principalmente nas
sensações e cada vez menos nas
aparências.
JR
–No que se refere àmoda e ao
luxo relacionados à saúde, ao cor-
po, pergunto: isso pode ter relação
com a nova longevidade humana,
como demonstram as estatísticas
internacionais?
GILLES
– Sim. As pessoas, princi-
palmente das classes economica-
mente privilegiadas, se cuidariam
mais, porque sabem que podem
viver mais. Concretamente, o
impacto sobreo luxo iráocorrer em
que segmento? Emminha opinião,
é simples. Doravante, o luxo irá
investirmuitomenosnasaparências
e mais nas qualidades sensíveis e
na qualidade sanitária. Temos, as-
sim, os SPA’s, as terapias, as clíni-
cas de tratamento, a alimentação
sadia, biológica, todos esses ele-
mentos. Penso que a obsessão pela
saúde – nos tempos atuais – irá ter
um impacto sobre o luxo, compro-
dutos de maior qualidade. Eviden-
temente, não poderá ser um luxo
inacessível; mas uma nova catego-
ria de luxo vai-se desenvolver no
futuro. A questão da saúde vem-se
tornando meio obsessiva. Todo
mundoéumpoucohipocondríaco.
Conseqüentemente, as pessoas irão
querer consumir produtos de qua-
lidade, com culturas biológicas,
quenão sejam tóxicos.Acreditoem
um meio ambiente que não seja
poluído e que – no futuro – o
mercado do luxo vai ser influen-
ciado por investimentos na dimen-
são da saúde. Carros com air bag,
por exemplo, não se tratade saúde,
mas de segurança. E os veículos de
luxo evidentemente foram os pri-
meiros a usar argumentos perti-
nentes à segurançadospassageiros.
NoBrasil, pensoque iráocorrer um
grande desenvolvimento nesse
setor; por exemplo, os sistemas de
alarme para travar as portas em de-
corrência da violência urbana.
Hoje há uma nova dupla: saúde e
segurança tornaram-seproblemáti-
cas do luxo.
JR
– Como o Sr. vê o excesso de
materiais utilizados nas embala-
gens, sobretudodosartigosde luxo?
GILLES
–Nãoachoqueo luxodes-
perdiça mais que os outros pro-
dutos. Não vejodessa forma. Existe
sim o problema do consumo como
um todo. Mas devemos estar aten-
tos paranãoperder adimensãodos
problemas. Acho que a produção
de belíssimas embalagens é, incon-
testavelmente, uma forma de des-
perdício, mas, aomesmo tempo, é,
também, uma dimensão de um