Maio_2009 - page 5

Ponto de VISTA
R e v i s t a d a E S P M –
janeiro
/
fevereiro
de
2009
134
ES
PM
d
LiviaBarbosa
Divulgação
esdeomomentoemqueadis-
cussão sobre globalização to-
mou vulto, da década de 80
emdiante,questõesassociadas
à crescente perda da diversidade da
sociedade contemporânea mantêm-se
até hoje como uma ameaça que paira
sobreosnossosdestinos. Estadiscussão
temmuitodeum falsodilema.Quando
nos interrogamos sobre a nossa cres-
cente homogeneidade versus a nossa
decrescente diversidade, sobre o que
estamos efetivamente falando? Ambos
os processos sociais são relativos, ou
seja, não faz sentido falar disso em
termos absolutos, apenas comparativa-
menteaalgumparâmetrocomo tempo,
espaço, esfera social, entreoutros. Sem
precisarmos em relação a qual destes
parâmetrosnos tornamosmais iguaisou
maisdiferentes,estaéumadiscussãoem
grandeparte vazia.
Mesmo nesse nível de generalidade,
porém, podemos constatar que os
fluxos de homogeneidade e diversi-
dade não são excludentes entre si. Em
algumas instâncias podemos ter ficado
mais semelhantes, enquanto emoutras
mantivemos ou aumentamos nossas
diferenças. Por exemplo, na esfera
econômica e política aproximamo-nos
emumasériedeaspectos institucionais,
Homogeneidade
como exemplificam o esforço dos blo-
cos regionais como a União Europeia
na sua busca por unificação, embora
do ponto de vista sociocultural novos
estilosdevida, tribosurbanas, tradições
–“autênticasou inventadas”–coexistem
paralelamenteumaàsoutras.Nunca se
afirmou, seexpôse sediscutiu tanto so-
bre identidadecomohoje,oqueparece
incongruente com a nossa consciência
ampliadadasuamorteanunciada.Nun-
caabuscaporaquiloquenosdefine foi
tão intensa em todos os grupos e faixas
etárias.Abuscapelo“verdadeiroeu”de
cadaumdenós éumdosmantrascon-
temporâneos.Umequívocode fundoé
que confundimos a dimensão política
da nação, ancorada em um território e
unidade política administrativa com a
unidadesociocultural.Estaúltima trans-
cendeas fronteirasnacionaisemmuitos
casos semqueasespecificidades locais
desapareçampor causa disso.
Formaeconteúdoconfundem-se tam-
bémnestadiscussão. Podemos adotar
uma forma cultural e lhe atribuirmos
um sentido inteiramente diferente. O
melhor exemplo para isso é o nosso
famoso McDonald’s, que vários es-
tudos demonstram adquirir diversos
sentidosnos lugares emque se instala,
interagindo com o sistema alimentar
local e comoutras dimensões simbó-
licas do que significa comer.
Um outro aspecto subjacente a este
debate é a ideia errônea de que algu-
mas formasdevida sãoautenticamente
originais. Em termosculturaisascoisas
são, no máximo, tradicionais. Deve-
mos olhar a cultura na sua dimensão
real, como um processo, e não como
um patrimônio monolítico. Devemos
ter clareza sobre o que queremos
preservar para nós e não aquilo que
julgamos que deve ser imposto aos
outros. Como observou Lévi-Strauss,
em seu famoso artigoRaça eHistória,
por vezes, as sociedades parecem se
aproximarde formaaparecerque irão
se fundir uma nas outras para logo
depois se afastarem com velocidade
impressionante.Adiferençaé, sempre
foi e continuará sendo constitutiva da
vida social. Imaginar que a sociedade
humanapoderá subitamentedesfazer-
se daquilo que nos faz distintos dos
animais, que têm suas formas de vida
determinadas por seus códigos gené-
ticos, é no mínimo ingênuo. Nossa
capacidade simbólica de ordenar de
múltiplas formas a realidade que nos
cerca é o que nos faz humanos, sem
ela somos apenasumoutroentremui-
tos organismos vivos.
LiviaBarbosa-Doutora emAntropologiaSocial peloPPGA/UFRJ,mestre em
CiênciasSociaispelaUniversidadedeChicago/EUA ediretoradepesquisadoCAEPM/ESPM.
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Quandonos interrogamos sobre anossa
crescentehomogeneidade versus anossadecrescente
diversidade, sobreoque estamos falando?
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um falsodilemacontemporâneo
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