janeiro/fevereirode2014|
RevistadaESPM
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a emissora apresentou o filme
Nosso
Lar
, baseado no livro espírita homô-
nimo de Chico Xavier. Assim, a Glo-
bo faz sua própria bricolagem reli-
giosa, atendendo a diferentes nichos
de mercado. O discurso religioso
do festival e da novela reverbera na
constituição de valores individuais e
coletivos, no imaginário e cotidiano
popular brasileiro.
Revista da ESPM
— Como o senhor
define nossa sociedade?
Eduardo
— É uma pergunta difícil,
por sua amplitude e complexidade.
Uma das características marcantes
do “perfil religioso” da sociedade
brasileira é a mobilidade e a bricola-
gem. Outra é a intolerância à diver-
sidade, com destaque, entre outras,
à intolerância religiosa, que, por sua
vez, costuma ser imbricada a outros
marcadores, como nível econômico,
identidade de gênero e orientação
sexual. As expressões religiosas
brasileiras têm como característica
potente a intolerância ao diferente.
E, obviamente, a discriminação do
diferente não é prerrogativa apenas
dos religiosos. Faltam, como valores
praticados, o respeito às diversas
formas de diversidade em relação a
marcadores sociais, o amor ao próxi-
mo e o seu acolhimento sem querer
modificar-lhe no que ele não deseja
ser modificado.
Revista da ESPM
— Qual deveria
ser o papel da religião na vida das
famílias brasileiras?
Eduardo
— Analisar qual deveria ser
o papel da religião na vida das famí-
lias requer que se pense o que cada
uma das religiões tem, idealmente,
como credo, em quais valores são
baseadas. Umvalor comumamuitas é
o amor, o acolhimento. Se pensarmos
nesses como bases das instituições
religiosas, o papel ideal das religiões
deveria ser o de ensinar o amor, o
respeito à diversidade e acolher in-
distintamente, abrir a porta aos que
batem e convidar os que estão seden-
tos e famintos a se sentarem à mesa
e banquetearem. No caso da igreja
cristã, quem estaria ao lado de Jesus
hoje? Travestis, bêbados, garotas de
programa, anões, albinos, mendi-
gos, cegos, michês, lésbicas e gays,
amputados, paraplégicos, adictos, in-
digentes... Ou seja, de acordo com os
preceitos em que creem evangélicos
e católicos, Jesus acolheria a todos
os interessados em sua Boa Nova,
com todo o aconchego do universo.
Infelizmente, o que mais observo são
igrejas que dificultam ou impossibi-
litam, de formas diversas, o acesso
e inclusão igualitária. Se tais igrejas
são representantes de Cristo na Terra,
por que não costumamagir segundo o
Evangelho? Respeitar, acolher e amar
deveria ser a função, não somente de
católicos e evangélicos, mas, ideal-
mente, de todas as pessoas, indepen-
dentemente de seus credos religiosos.
Revista da ESPM
— A Igreja Católi-
ca Apostólica Romana ainda é a mais
influente no Brasil, mas tem perdido
fiéis a cada ano. Esse movimento de
queda tende a ser revertido nos próxi-
mos anos?
Eduardo
— Creio que a Igreja Cató-
lica Apostólica Romana retomará o
crescimento por meio de Francisco,
um papa identificado com o povo, al-
guém que deve reforçar a fé católica
graças a seu carisma e facilidade de
se comunicar e se apresentar midia-
ticamente. As igrejas evangélicas
pentecostais e neopentecostais,
especialmente as Assembleias de
Deus, a IURD (Igreja Universal do
Reino de Deus), a IIGD (Igreja Inter-
nacional da Graça de Deus) e a IMPD
(Igreja Mundial do Poder de Deus),
continuam em destaque. E com
algo em comum: o uso da teologia
do domínio, na qual o que importa
é conquistar espaços na política e
na mídia, procurando influenciar a
sociedade de todas as formas pos-
síveis, até por meio da educação.
Atualmente, a situação das igrejas
brasileiras pode ser caracterizada
pelo esforço de se conquistar uma
fatia do mercado religioso e, por ve-
zes, do mercado secular, já que estes
têm se imbricado cada vez mais. Isto
se dá pela oferta e atendimento a
demandas específicas de adeptos e
fiéis consumidores.
Revista da ESPM
— Quais são os
principais desafios a serem enfrenta-
dos pelas igrejas, atualmente, para
ampliar sua participação no Brasil?
Infelizmente, o quemais observo são igrejas
que dificultamo acesso e a inclusão igualitária.
Se tais igrejas são representantes de Cristo na
Terra, por que não costumamagir como ele agiu?