Janeiro_2003 - page 117

RevistadaESPM– Janeiro/Fevereirode 2003
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Apesquisaéótimaquando ilumina idéias,
nãoquando escora a aprovação
• Percival Caropreso
Diretor deCriaçãoeGerenteGeral daMcCann-Erickson
Quandocomecei nesteofíciohámaisde
30 anos, uma das primeiras máximas que
escutei, e de quemais gostei, era algomais
oumenosassim:
APESQUISADEVESERUSADACOMO
UM VIAJANTE USA UM POSTE NOMEIO
DANOITE:PARAILUMINARSEUSPASSOS,
DE MODO QUE ELE CONTINUE A
AVENTURAR-SENASUAJORNADA.
APESQUISANÃODEVESERUSADA
COMOUMBÊBADOUSAUMPOSTE:PARA
SE ESCORAR ATÉ GANHAR CORAGEM
PARASEGUIRANDANDO.
Vivíamos naquela época o período da
criação pela criação ou da idéia pela idéia,
comosedizia.Maselecomeçavaadarsinais
de que iria acabar. Bobagem, porque idéia
nuncamorre,mesmoquenãosejaaprovada
nemproduzida.Elaexisteemsi.A idéiaexiste
em si, mas tem que ser concebida antes.
Ninguémmais acredita que idéia nasce por
geraçãoespontâneaouqueacegonhaa traz
no bico, viajando de Cannes até aqui. Idéia
tempai emãe.Opai éoConhecimento.
É o nosso conhecimento humano geral,
quem somos, como somos não profissional-
mente, mas como pessoas. Que visão de
mundo, e de vida, temos? Quais nossas
crenças e valores?Como nos relacionamos
com a realidade à nossa volta e com as
pessoas acima e abaixo? Somos alegres,
divertidos,positivos?Curiosos, interessados,
inquietos na busca do novo e do melhor?
Responsáveis,éticos,conscientes,solidários,
doBem?Nossoacervodevivênciaspessoais,
nosso conhecimento humano determina em
muitooDNAdenossas idéias.
Outroconhecimentoqueconcorreparaa
concepção de idéias é o conhecimento
específico e focado na tarefa que estamos
desenvolvendo.Quantoconhecemosdamarca
paraaqual estamoscriandocomunicação?E
dos concorrentes? E dos mecanismos do
mercado, das forçasque regemosnegócios?
Esseconhecimentomercadológicovalepouco
senão tivermosconhecimentodoconsumidor.
Mais:senão tivermosacompreensãosensível
do consumidor. Seu cérebro e seu coração,
sua alma – ele é alguém igual a nós. E seu
cérebro, seucoraçãoesuaalmadeconsumo
–alguémque tem cabeça, tronco,membroe
bolsos. Suas virtudes e fraquezas, suas
ambiçõesemedos, oqueoatrai eoafasta, o
que o mobiliza como pessoa e como
consumidor.
Aíentraapesquisacomoportaparaesse
conhecimento, a essa compreensão sensível
do consumidor. Pesquisas que não apenas
revelam fatos, mas que inspiram, sugerem
hipóteses, fazemcomqueagentedeCriação
sinta coceiras mentais. Quantas e quantas
vezes a idéia de uma campanha não nasceu
ali mesmo, numa sala de pesquisa, onde o
pessoal de Criação pôde sentir os
consumidores em suas reações, atitudes,
sentimentos,cacoetesdevida?Mas,paraesse
momento mágico acontecer, precisamos de
duas coisas: estar fisicamente presentes
nessassessõesdepesquisa;manteroespírito
desarmado, isentoemal-intencionado,comos
sensores em alerta, prontos para detectar
inspirações que passariam batidas por muita
gente desavisada ou arrogante intelectual-
mente.
Aqui naMcCann temos umprocedimento
rotineiro, que faz parte natural do nosso jeito
de trabalhar. Tem o nome dePULSE e não é
pesquisa. Éassuntamento. Todasemana, um
grupodeconsumidoresse reúneconoscopara
umpapo.PessoaldaCriaçãoedeoutrasáreas
daagência fica levandoprosasoltacomesses
consumidores,semagenda,sempauta.Esem
ninguémdaáreadepesquisa.
Não seguimos metodologia formal, não
mostramosanúnciosnem filmes,nãopedimos
opinião direta sobre nada concreto. Apenas
queremossaber eentender oque rolanavida
real das pessoas, sentimentos sobre o novo
governo, sobreasmatrículasescolarescaras,
sobre as mudanças na novela Esperança,
sobrea violênciaeodesemprego, sobreo fu-
turodos filhos, sobreasambiçõese fantasias.
É prosa mesmo, por isso dizemos que
PULSE é um assuntamento: a gente vai
assuntando o que se passa na cabeça, no
coração e na alma desses consumidores. A
gentevai entendendomelhor, sentindoqueme
comoelessão, oqueestãovivendonomundo
real. E absorvendo as idéias que eles
involuntariamentenosentregamdemãobeijada.
Para mim, esse tipo de informação
qualitativa e inspiradora é a verdadeira
contribuição que pesquisas devem dar à
criação.NãoaopessoaldoDepto.deCriação,
masàcriaçãoemsi.Criaçãodepensamento,
criação de planejamento, criação de mídia,
criaçãode idéiasdecomunicação–quepodem
até vir a ser, eventualmente, um filme, um
anúncioconvencional. Issoéusaropostepara
iluminar nosso caminho e a ambição de nos
aventurarmos.
As pesquisas de conceitos e caminhos
criativos, umpoucomaisadiantenoprocesso,
também são ótimas, desde que tenham a
mesma intenção: fazer pensar, aprender e
inspirar. Bater piques das nossas convicções
e idéias com as convicções e idéias do
consumidorsempre fazbemàsaúdedonosso
trabalho e à nossa própria saúde pessoal. O
problemaéquandoapesquisaéusada como
muleta,pontodeapoiona faltadecoragemou
visãoparase tomaremdecisões.O talusoque
obêbado fazdoposte,queoancoraaoseguro
e ao conhecido, ao invés de ajudá-lo a seguir
adiante, descobrir novos caminhos.
Aconcentraçãodocapital edasgrandes
empresas, a formação dos mega grupos
econômicos levaànecessidadedecontrole.
Desde antes do Império Romano, diluir e
esvaziar autoridade, inibir a tomada de
decisão são formas clássicas de aumentar
o controle central. Criam-se mecanismos,
que fazem as imensas redes funcionarem
de forma razoavelmente homogênea em
cada um e em todos os seus terminais,
filiais, sucursais, operações remotas. A
pesquisa pode vir a ser um desses
mecanismos, junto com os
guidelines
,
po-
lices
,
mandatories
,
tudo by the book
. Um
book que muita gente não leu até o fim. E
que raramente tem um final feliz.
Oapegoevangélicoaessesmecanismos
resulta num fanatismo cego por processos e
procedimentos, que muitas vezes faz todos
esquecermos que estamos numa profissão –
Marketing e Comunicação – cuja missão é
pensar e criar, ter idéiasque funcionem.
Se, na concepçãodeuma idéia, opai éo
Conhecimento, a Ignorância é a mãe.
Reconhecerquesomos ignorantese,portanto,
queprecisamosaprender,escutar, refletirsobre
informações que desconhecemos ou
conhecemos
pero no mucho
. Nesse nosso
mundoprivilegiado,corremoso riscode formar
uma cultura e uma estética fechadas e
distantes do consumidor. E mais uma vez a
pesquisa pode desempenhar um papel
estimulante:opapel dealcoviteira, cruzandoo
Conhecimento com a Ignorância. Esse
exercício nos traz luz e prazer, abre nossos
olhos, expandenossoconhecimentoantesde
a idéia vir aomundo.
EdwinLand, inventordaPolaroid,definiuque
“Uma idéiageralmenteéumrepentinocessarda
estupidez”. Todos os profissionais de pesquisa
com quem trabalhei sempre detestaram ser
confundidoscomzeladoresdaestupidez.
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ONTODE
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