julho/agostode2012|
RevistadaESPM
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Washington Olivetto
Uma profissão
delirante
M
uita gente normal me pergunta por que os
publicitários são tão obcecados por prêmios
e por que se vangloriam tanto deles, se tra-
balham numa profissão que tem prêmios para todos.
Prêmios regionais, locais, nacionais e internacionais.
Prêmios para criadores, planejadores, mídias, diretores,
produtores. Prêmios para os analógicos, prêmios para os
digitais. Prêmios para todo mundo.
A pergunta que, maliciosamente, embute a resposta
tem lógica, e a resposta é uma constatação. Realmente
são tantos os prêmios no universo da publicidade que, a
qualquer momento, qualquer publicitário pode ser atin-
gido por um deles.
Digo isso sem cuspir no prato em que comi durante
anos, jáque fuimuito favorecidopelos prêmios, particular-
menteno iníciodaminha carreira, quandoonúmerodeles
era bem menor e os benefícios de imagem que geravam
para os premiados eram, por consequência, bemmaiores.
Aproveitei-me disso no momento certo, mas rapida-
mente percebi que os prêmios, por mais prestigiosos que
fossem, eramapenas um início para a construção de uma
imagem profissional respeitável, e que jamais podiam
ser encarados como um fim, se eu imaginasse minha
carreira como uma maratona, em vez de uma corrida de
cem metros rasos.
Essa postura, acompanhada da minha obsessão pela
cultura popular, me ajudou a consolidar uma imagem
profissional e pública que venho construindo desde os 19
anos de idade, mas não virou um exemplo seguido pela
maioria e pelas novas gerações como eu, pretensiosa-
mente, imaginava e gostaria que acontecesse.
Pelo contrário: mesmo com todo o meu discurso contra
o prêmio pelo prêmio, iniciado em 1992, quando criei a
expressão “propaganda fantasma”, a verdade é que, nos
últimos anos, a obsessão pelos prêmios por parte da maio-
ria dos publicitários só aumentou. Deixou de ser uma tara
exclusiva dos criativos e se disseminou pela maioria dos
departamentosdasagências.Naverdade,virouumataradas
agências, com todos sonhando ser premiados, de qualquer
jeito,aqualquercusto,emqualquerlugar,masdepreferência
na mais famosa das premiações: o Cannes Lions.
Nascido originalmente como Festival do Cinema Pu-
blicitário de Veneza (depois Cannes), que premiava com
um número restrito de leões os melhores comerciais do
mundo, o hojeCannes Lions se autointitula umfestival de
ideias e premia com fartura de leões muitíssimas catego-
rias. Conhecido nomundo inteiro, oCannes Lions é, além
de tudo, um dos maiores responsáveis pelo aumento do
faturamento dos deliveries de pizza nos meses de março,
abril emaio, época emque publicitários de todas as etnias
viram noites nas agências criando peças especialmente
para o festival.
O fato se repete todos os anos: agências de propaganda
do mundo inteiro gastam milhões em energia e dinheiro
criando, produzindo, divulgando e inscrevendo suas ideias
no Cannes Lions, na intenção de serem eleitas a mais cria-
tiva agência na terceira semana de junho, ou pelo menos
uma das mais criativas. O problema é que boa parte dessa
montanha de trabalhos que concorrem no Cannes Lions
não existe, nunca existiu e nem vai existir. Mas para que
serve a propaganda que não existe?
Para os organizadores do festival, serve para deixá-los
cada vez mais prósperos, até porque as inscrições custam
alguns bons euros.
Para as agências que participamdele, serve para colocar
umas estátuas na recepção e fazer um ou dois anúncios de
autopromoção nas semanas seguintes ao festival.
Para os profissionais de propaganda, serve para alimen-
tar cada vez mais a reputação duvidosa dos seus egos e a
imagem de superficialidade da classe.
Para a maioria dos clientes, de nada serve. Até porque o
negócio dos clientes funciona durante o ano todo, e comu-
nicação bem feita, responsável e eficiente deve ser o dia a
dia dessa profissão e não apenas algo que acontece dentro
dealgunsauditóriosdosuldaFrança,duranteumasemana.
Averdade é que oCannes Lions como laboratório, painel
de tendências, tecnologiasenegóciosestácadavezmais in-
teressantee relevante. Verdadeiramente imperdível. Assim
Ponto de vista