Revista da ESPM
|maio/junhode 2012
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entrevista
Gracioso
– Nossa pauta, basicamen-
te, é: até que ponto é lícito admitir a
interferência do Estado na liberdade
de pensamento, expressão e compor-
tamento do indivíduo? Como conheço
seu interesse por Thomas Hobbes,
gostaria de começar a entrevista fa-
zendo uma comparação entre dois
extremos. Um deles, sugerido pelo
próprio Hobbes, quando diz que “o
homem em seu estado natural regride
à última condição de indignidade,
de miséria moral”. No outro extremo,
gostaria de citar uma frase do pre-
sidente da Rússia, Vladimir Putin,
que foi um defensor da antiga União
Soviética, como homem da KGB: “Ter
saudades da União Soviética é natu-
ral, prova que a pessoa tem coração.
Agora, querer que ela volte é prova de
que falta juízo”. Qual sua avaliação
sobre estes dois extremos?
Renato
– Sou favorável à mais am-
pla liberdade de expressão. Mas ela
traz sérios problemas quando se
trata de liberdade de propaganda
ou publicidade de produtos que
podem ter algum efeito maléfico.
Por exemplo, pregar que uma raça é
inferior a outra é proibido em quase
todos os países e ninguém acha que,
com isso, a liberdade de expressão
é atingida. Como é um discurso
que geralmente apela para o crime,
ele acaba sendo proibido, assim
como a apologia do assassinato e do
tráfico. Alguns países têm uma to-
lerância maior com isso por razões
históricas. É difícil fechar o Partido
Fascista na Itália. Em compensação,
outros países que passaram por dra-
mas, como a Alemanha, proíbem
terminantemente a propaganda
nazista. Recentemente, os alemães
cortaram um conjunto de árvores
antigas, bonitas, de alta qualidade,
porque, vistas do céu, elas forma-
vam o desenho de uma suástica.
Sou favorável à fronteira mais am-
pla de liberdade, mas a apologia
do crime não deveria ser tolerada.
Esta é minha posição no caso da
política. Com relação à publicidade
econômica, a questão é bem mais
delicada, porque a apologia a um
regime privador de direitos pode ser
considerada um crime. Isso já foi
muito discutido no Brasil. É difícil,
por exemplo, pensar na proibição da
propaganda de cigarros de maneira
abstrata, já que existe o direito de
expressão e a pessoa é livre para
escolher se quer ou não consumir
o produto. O argumento que tenho
ouvido de pessoas ilustres e que
admiro é o de que o Estado não
pode proibir uma pessoa de fazer
mal a si própria. Não concordo com
esta tese, porque os procedimentos
utilizados na comunicação, às ve-
zes, são muito sofisticados e, com
frequência, levam os consumidores
a pensar que estão sendo livres para
escolher, quando, na verdade foram,
de alguma forma, condicionados.
Gracioso
–
Os publicitários dizem
que a publicidade não é tão impor-
tante como os críticos sugerem, nem
o único meio de estimular alguém a
fumar. Há vários exemplos de países
que proibiram a propaganda de ci-
garros, mas não conseguiram acabar
com o vício.
Renato
– Esse argumento é o mes-
mo que dizer: “Estamos fazendo
propaganda de algo que sabemos
ser eticamente ruim, só que não as-
sumimos a responsabilidade de es-
tarmos causando esta conduta ética
ruim”. É como afirmar: “Eu dei o tiro,
mas não foi meu tiro que matou”.
Gabriela
–
Não seria melhor evitar o
tiro ou, no caso, a produção?
Renato
– Não quero discutir a ques-
tão jurídica, e sim a ética. Do ponto
de vista jurídico, você proibir é
complicado. Do ponto de vista éti-
co, tolerar a apologia daquilo que
sabidamente é mal é algo duvidoso.
Não chego ao ponto de dizer que
deva ser proibida a propaganda de
uma série de coisas, mas gostaria
de salientar que não dá para defen-
der em termos éticos a propaganda.
O problema é que o conjunto de
coisas que estão fazendo mal é cada
vez maior: cigarro, fast-food e até o
carro. O país está praticamente pa-
ralisado porque nós, classe média
alta, só nos locomovemos de carro.
“Algoque estáficando claro é que oplanetanão aguentaummundo
emque o consumo tenha toda essa relevância”