Revista ESPM Mai-Jun 2012 - NEM BABÁ, NEM BIG BROTHER a eterna luta do indivíduo contra o Estado - page 19

maio/junhode2012|
RevistadaESPM
19
Renato Janine Ribeiro
todo o resto pode derivar. Para
isso, você precisa ter uma pessoa
que domine sua língua e não use
esse vocabulário extremamente
restrito que está surgindo. Mas
até os jornais estão usando menos
palavras. Ao reduzir o vocabulário
das pessoas, você torna ridículo
aquele que usa um termo mais
rico. Quando a
Folha de S.Paulo
adotou uma linha mais “didática”,
ela passou a explicar palavras di-
fíceis. Isso dispensa a pessoa de ir
consultar no dicionário. Aprendi
no ginásio que para lembrar uma
palavra não podia perguntar para
a professora, tinha que olhar no di-
cionário, como forma de registrar
o aprendizado. Depois, ao assistir
aos programas de TV, noto um des-
caso muito grande pela cultura de
maneira geral e pela cultura eru-
dita em particular. O mundo que
as novelas oferecem é o do gozo
imediato e do hedonismo. Tudo
precisa ser rápido e sem esforço.
Algo que tambémme choca é o fato
de que, nos últimos cinco anos, é
praticamente impossível entrar
no plantel de atores da Rede Globo
um rapaz ou uma moça que não
sejammuito bonitos. Não temmais
artista como o Tony Ramos, por
exemplo. Isso tudo está criando na
sociedade brasileira uma grande
adesão ao fácil. É fácil ser bonito
para ganhar coisas. Tudo isso foi se
fortalecendo no nosso país.
Gabriela
E incentivado pela internet.
Renato
– Também pela internet.
Em face disso, a educação está na
defesa. Não existe uma pregação
pró-educação. Aparentemente, o
básico na educação seria aprender
português e matemática para saber
ler, escrever e raciocinar. Quando
você inclui, por exemplo, filosofia
no ensino médio, tem pessoas
que perguntam como fazer isso se
os alunos não sabem português.
Como tornar obrigatório o ensino
de história da África se a pessoa
nem sabe a própria língua? Por ou-
tro lado, não sinto a sociedade e a
família empenhadas em melhorar
ou mesmo estimular a educação.
Tenho uma certa reticência quanto
a culpar o governo, que é um espor-
te do brasileiro.
Gracioso
Muitos sociólogos dizem
que os valores perante a vida – como
dedicação e respeito ao trabalho
árduo, confiabilidade e senso de res-
ponsabilidade – são tão importantes
quanto a educação propriamente
dita para estimular o progresso so-
cial e o bem-estar coletivo. Você con-
corda com isso?
Renato
– Concordo até certo ponto.
Todos esses valores são importan-
tes, mas ao mesmo tempo só temos
ética quando a pessoa é interpelada
para ela própria tomar suas deci-
sões. Quando se ensina o que é cer-
to ou errado sem abrir para a pessoa
o espaço para ela escolher em quais
valores acreditar, não estamos for-
mando um ser ético. Uma pessoa
ética é aquela que vai se perguntar
o que é certo durante um conflito
entre dois valores, como a liberdade
de expressão e o respeito às crian-
ças que podem estar engordando
desmedidamente por causa do fast-
food. Nosso sistema desfavorece
esse tipo de formação, como chegar
para uma discussão sem estar já
com os dados marcados. O primeiro
ponto é dizer o que é ou não ético. É
o que procuro na aula que ministro
na pós-graduação de jornalismo
com ênfase em direção editorial
da ESPM. Os jornalistas têm muita
vontadedediscutir tudo,mas também
possuem uma facilidade extraordiná-
ria de esquecer onde está a questão
ética precisamente. Houve uma
aula em que começamos a discutir
o Facebook e de repente estávamos
comentando sobre como a rede
social está mudando as relações.
Eu disse: “Pessoal, não é um papo
sobre o Facebook, nem um curso de
sociologia ou teoria da comunica-
ção. Estamos discutindo questões
éticas”. Esse é um ponto crucial:
as pessoas perceberem onde está
a questão ética. A propaganda do
fast-food, por exemplo, tem a ques-
tão política, a jurídica e a ética. Se
conseguirmos fazer com que as
“Até os jornais estãousandomenos palavras. Ao reduzir o vocabuláriodas
pessoas, você torna ridículo aquele que usaumtermomais rico”
1...,9,10,11,12,13,14,15,16,17,18 20,21,22,23,24,25,26,27,28,29,...116
Powered by FlippingBook