maio/junhode2012|
RevistadaESPM
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Renato Janine Ribeiro
porque dizem que a Microsoft passa
os dados para o governo america-
no. Quem disse que não passa? O
simples Facebook oferece vários
anúncios dirigidos para você. Ele
relaciona as pessoas que foram seus
amigos de colégio e que de repente
se desencontraram. Tudo que faz
além disso é só para vender merca-
doria para o usuário. O documento
único é a menor das ameaças, por-
que sabemos quem vai manejar
esses dados. No caso do Facebook,
não. Meu medo maior é de orga-
nizações criminosas que podem
ser muito fortes e até tomar conta
de governos. Por ouro lado, como
isso me parece irreversível, seria
preciso ter uma capacitação técnica
fantástica para enfrentar isso tudo.
Gabriela
–
Nesse contexto, podemos
dizer que a população é cada vez mais
objeto e não sujeito de sua história?
Renato
– Nesse sentido, sim. Quan-
do todos os seus dados são tomados
por outros, a única vantagem é você
não ter nada a ocultar. Talvez uma
forma de lutar contra isso fosse, em
vez de preservar os sigilos que não
serão preservados, o melhor é dizer:
“Não tenho nada a esconder”.
Gracioso
–
Qual é a posição que
deveríamos procurar dentro de um
estado democrático, que respeita os
direitos humanos e básicos de uma
democracia, como liberdade de ex-
pressão, iniciativa, organização e
propriedade?
Renato
– Tenho dúvidas, porque as
pessoas que compõem a sociedade
brasileira estão com crenças de-
mais. Elas assumem uma posição
e se aferram a ela. E a internet está
favorecendo isso com a possibilida-
de de todos serem autores. O grande
problema é que as pessoas escre-
vem, postam coisas e mandam
e-mail sem ter tempo de refletir, às
vezes, sem ao menos ter lido direito
aquilo pelo qual estão se manifes-
tando. Em vez de ser um ambiente
democrático, a internet se transfor-
mou num ambiente de falas surdas,
com uma grande quantidade de
gente falando e totalmente sur-
das ao argumento contrário. Essas
pessoas têm muita dificuldade de
diálogo. Temos hoje uma democra-
cia no Brasil apesar dos cidadãos,
não por causa dos cidadãos. Não
é porque todos prezamos esse va-
lor democrático fundamental da
divergência que eu o colocaria à
frente de todos os outros valores.
Uma boa parte da sociedade brasi-
leira gostaria que outra boa parte
se calasse, mesmo na marra, e isso
é assustador. Quando se tem uma
campanha eleitoral e dois lados se
opõem, dá a impressão de que estão
fazendo isso porque a Justiça Eleito-
ral impõe e não porque o outro lado
esteja querendo debater também.
As pessoas têm uma dificuldade
extraordinária de escutar aqui-
lo de que discordam, porque elas
logo traduzem. Hoje, por exemplo,
quando se lê nos jornais o que
precisa ser feito na educação ou
na economia, todos dizem quase
a mesma coisa. A única forma de
vencermos isso é aumentar a dú-
vida e melhorar a escuta.
Gabriela
–
A sociedade ideal existe
?
Renato
– Se é ideal, não existe.
Mas, sem você ter um ideal, tudo
fica muito mais difícil. Um dos
problemas do nosso tempo é que
de certa forma as coisas que eram
boas, que foram almejadas acaba-
ram se realizando. O sonho da dife-
rença sumiu. Temos prosperidade,
conforto, prazeres. O sexo deixou
de ser algo assustador. Tanta coisa
foi conseguida que a tendência das
pessoas é achar que isso é bom.
No caso dos jovens, é bom viver na
casa dos pais para sempre. É tudo
tão confortável. A diferença é que o
ideal antigo às vezes era o ideal do
desejo. Já o ideal de hoje talvez seja
o do dever e da dificuldade.
Gracioso
–
Obrigado. A entrevista
foi excelente!
“Ogrande problema é que as pessoas escrevem, postamcoisas
emandame-mail semter tempode refletir. Aúnica formade
vencermos isso é aumentar adúvida emelhorar a escuta”