maio/junhode2012|
RevistadaESPM
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muitas vezes só é inteiramente reconhecido quando
as sociedades se veem privadas dele.
Não por outra razão a Constituição brasileira assegu-
ra em suas cláusulas pétreas a liberdade de expressão
como direito inalienável do povo. Aos poderes consti-
tuídos cabe assegurar que os direitos constitucionais
possam ser exercidos sem a interferência arbitrária dos
agentes do Estado ou de regulamentos e leis infracons-
titucionais. Cabe reparar que os cidadãos e os órgãos
de imprensa e de publicidade, que, à primeira vista,
apenas desfrutam do direito constitucional à liberdade
de pensamento e expressão, têm também sua parcela
de responsabilidade. Desfrutar plenamente de direitos
constitucionais não significa regredir ao estado natural
– que para Hobbes equivalia à escravidão. O indivíduo
se liberta justamente por aceitar se submeter às regras
da convivência civilizada. A essa imposição eu chamo
“responsabilidade compartilhada” – o Estado zela pela
liberdade de expressão, as empresas de comunicação
valem-se dela dentro dos mais rigorosos critérios
de qualidade e transparência, enquanto os cidadãos
premiam os veículos tornando-se leitores, telespecta-
dores e ouvintes ou os punem ignorando-os. Qualquer
tentativa de inverter a ordem desses papéis constitui
um risco para a democracia e tudo que ela representa.
O mesmo raciocínio vale para o que, acredito, seja o
papel ideal do Estado nas sociedades abertas. O governo
pode proibir as pessoas de fumar? Não. Mas pode exigir
delas que, para manter seu direito de fumar, se rendam
aos direitos dos demais que não querem respirar fu-
maça involuntariamente. O governo poderia até exigir
dos fumantes que arquem com os custos derivados de
seu hábito pagando um plano médico particular, de
modo a não sobrecarregar com sua escolha mórbida
o sistema de saúde público. O governo pode proibir
as empresas de venderem ou fazerem propaganda de
produtos alimentícios que contenham substâncias
comprovadamente nocivas nas quantidades contidas
nos pacotes? Não. Mas, na minha maneira de ver as
coisas, pode exigir que fabricantes e suas agências de
publicidade alertem os cidadãos a respeito dos riscos
que eles correm ao consumir tais produtos. Melhor
ainda é que os próprios produtores, espontaneamente,
alterem seus produtos e serviços para torná-los mais
saudáveis ou menos nocivos para o meio ambiente.
O que o Estado não deve fazer é chamar a si toda a
responsabilidade pelo que o indivíduo tem permissão
para fazer. Isso é arbítrio. Não é arbítrio exigir trans-
parência e informação verdadeira sobre os produtos.
Ao aplicarmos sobre esses dilemas o princípio da
responsabilidade compartilhada, abrem-se novos e
promissores horizontes. O mais frutífero deles, a meu
ver, é a autorregulamentação. Com ela, a iniciativa
privada se adianta à fúria regulatória, muitas vezes
inepta e crivada de ideologias do Estado e consegue
atender muito melhor às exigências dos consumidores.
Os exemplos dessa atitude proativa se multiplicam aos
nossos olhos sem que os governos tenham tido que mo-
vimentar um único fiscal ou baixar qualquer portaria.
Para citar apenas alguns casos, fiquemos com a ação
da rede McDonald’s, que alterou seu cardápio para ser-
vir alimentos commenor teor de gordura e açúcares – e
mais ricos em fibras. A embalagem plástica do papel
higiênico Neve, da Kimberley-Clark, passou a ser feita
complástico verde da Braskem, umproduto commenor
impacto ambiental feito com 56% de matérias-primas
vindas de fontes renováveis. A Coca-Cola lançou a água
Cristal ECO, envasada em garrafas totalmente reciclá-
veis, que podem ser amassadas, ocupando 37% menos
espaço no transporte depois do consumo.
Autorregulamentação exige bom-senso e responsabi-
lidade por parte da iniciativa privada. A contrapartida
exigida dos órgãos do governo é lucidez e cautela, vir-
tudes que permitam afastar os riscos das proibições e
regulamentações discricionárias. Commais responsa-
bilidade, todos saímos ganhando.
Roberto Civita
Presidente do conselho de administração
e diretor editorial da Editora Abril S.A.
Ogovernopodeproibiraspessoasde
fumar?Não.Maspodeexigirdelasque,
paramanterseudireitodefumar, elas
serendamaosdireitosdosdemais
quenãoqueremrespirarfumaça
involuntariamente