Revista daESPM –Maio/Junho de 2003
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A
ponto de vista
pesar da elevada concentração
de renda no Brasil, nenhuma
empresadebens de consumopode
ser líder, se não é líder nas classes
populares. As classes C, D e E
correspondema70%dapopulação
brasileira e a mais de 50% do
potencial de consumo em segmen-
tos importantes como alimentos,
material de limpeza, vestuário e
remédios. E isto se dá porque,
afinal, ninguémconsome10picolés
por dia, ninguém gasta 3 kg de
sabão em pó, nem fala em 4
celulares simultaneamente. Para
serem líderes no Brasil, as empre-
sas têm que liderar neste grande
mercado de 130 milhões de
participantes.
Segundo os dados da última
PNAD (IBGE-2001), nas áreas
metropolitanasbrasileiras,80%das
famíliasdeclasseD (renda familiar
entre3e5saláriosmínimos) já têm
telefone fixoeestenível ultrapassa
90% na classe C. Observa-se tam-
bém a presença universal da
geladeira e da televisão, além dos
telefones celulares, domicroondas
edamáquinade lavarcadavezmais
presentes. Em outras palavras, as
classespopulares já tiveramacesso
aeletrodomésticosbásicose–boa
notícia – têm uma estrutura de
despesa completamente diferente
das classes AB. A grande maioria
destas famílias popularesmoraem
imóveis auto-construídos (70%),
não pagando aluguel nem presta-
ção, e usam a escola e serviços de
saúde do sistema público. Resul-
tado: quase toda renda disponível
vai para omercado de produtos de
consumo demassa.
Mesmo as famílias muito
pobres têm alguma capacidade de
consumo.De fato,90%das famílias
de classe E (renda familiar de 0 a 2
salários mínimos) têm televisão;
92% delas têm geladeira. Além do
mais, as políticas sociais do
governo, de transferência de renda
e de assistência alimentar, vão
crescentemente liberar recursos
dessas classes – presentemente
alocados em alimentação básica –
paraoutros bens, como remédios e
produtos de limpeza.
Finalmente, a nova administra-
ção federal transformouoaumento
do consumo popular de massa em
um de seus principais desafios de
governo. Coordenado através do
novo Plano Plurianual (PPA), estão
sendo propostas dezenas de
medidas que passam pela reforma
tributária (reduzindo os encargos
sobre os produtos populares), pelo
suporte ao micro-crédito, pela
reforma agrária, pelas políticas de
transferência de renda e por
políticassociaisclássicasnocampo
da saúde, educação, habitação e
saneamento.
Tradicionalmente, na área de
comunicação, temos tratado as
classes populares ou com total
desinteresse, ou dentro do para-
digmado“aspiracional”: tendemos
a imaginar queanunciandoparaas
classes AB, as classes populares
vão acabar por se “inspirar” nos
hábitos de consumo das classes
dessas classes supostamentemais
“elevadas”,numprocessomimético
de identificação e cópia. Mas esta
tesebanalnãoestácomprovadapor
nenhuma pesquisa. O Popular da
Silva quer ser ele mesmo, tem
gostos e aspirações próprios e
tende a rejeitar produtos que “não
são para ele”.
Quando o Brazil começará a
prestar atenção neste grande e
surpreendentemercado?
HaroldodaGamaTorres
Demógrafoedoutor emCiênciasSociais,
consultor daPopular ComunicaçãoedoDataPopular e
Pesquisador doCentrodeEstudosdaMetrópole–
CEM (Cebrap/Seade).
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