Revista daESPM – Setembro/Outubro de 2002
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Apublicidade
dianteda
ambigüidadeda
sexualidade
Um outro movimento fundamental
nos códigos de sedução da retórica pu-
blicitária é a incorporação da ambigüi-
dade nas representações do sexual. Tra-
ta-sedeum fato relativamentenovoque
encontra seu exemplo mais visível na
novacampanhamundialdaVersace.Essa
campanha se resumea fotosdeumcasal
na cama. Nós sempre sabemos quem é
um dos parceiros (um homem ou uma
mulher em posição de autoconfiança).
Mas nós nunca sabemos quem é ooutro
já que ele sempre aparece com roupas
íntimas femininase traçosdecorpomas-
culino. Note-se que não se trata de uma
campanha para um
target
composto de
homosexuais masculinos ou femininos.
O
target
daVersace é composto basica-
mente demulheres e é para elas que tal
campanhaédirecionada.Essacampanha
joga com a ambigüidade do objeto do
desejo de uma forma inesperada para
uma marca “comportada” como a
Versace.
Na publicidade, as representações
masculinas e femininas sempre foram
muitomarcadas.Adiferençasexualnun-
ca colocou realmente problemas. Mas,
devido à assimilação de mudanças que
ocorrem em outras esferas da cultura, a
publicidade vai aos poucos redetermi-
nando seucódigode representações.Vi-
vemos em ummomento histórico mar-
cadopela redefiniçãodopapel social da
mulher e da crise de uma certa idéia de
masculinidade. Hoje, é corriqueiro ver,
na publicidade,mulheres empapéis ati-
vos, enquanto os homens são às vezes
perdidos, como em uma campanha da
Mastercardnaqualumpai entraemuma
loja com seus filhos, enche o carrinho
de compras e, quando vai pagar, desco-
bre que esqueceu o dinheiro. O caixa
pede sua carteira de identidade e vemos
a foto antiga de um
neo-hippie
.A situa-
ção só é resolvidaquando amulher apa-
recepor tráseapresentaseuMastercard.
Uma representação dessa natureza seria
inimaginável há vinte anos. Mais uma
prova de que oprocessodemudança na
publicidade talvez sóestejacomeçando.
“Eracomose
descobríssemos
quehaviaalguma
coisanocorpo
quenãose
identificavamais
coma imagemdo
corpoharmônico
queguiaraa
lógicapublicitária
por tanto tempo.”
•Vladimir Safatle,
encarregado de cursos noColégio Internacional deFilosofia –
Paris – e doutor em epistemologia da psicanálise pelaUniversidade deParis.