Setembro_2002 - page 33

Revista daESPM – Setembro/Outubro de 2002
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H
á uma década atrás, Oliviero
Toscani,opolêmicoex-publici-
táriodaBenneton,acusavaapu-
blicidadedesustentarum ideal arianode
belezaondesódesfilavamcorposplenos
de saúde, harmônicos, jovens e perfei-
tos.Suacrítica tambémnãopoupavauma
certa noção falocêntrica e estereotipada
de sexualidadequeguiaria as images da
comunicação demassa. É bem possível
que, em linhas gerais, a acusação de
Toscani tenha batido na porta certa. Os
grandes padrões da imagempublicitária
em voga até então pareciam consolida-
dos há décadas. No caso brasileiro, por
exemplo, não foram poucas vezes que
nossa publicidade foi taxada de racista
por excluir, durantemuito tempo, a pre-
sença de modelos negros como padrão
debeleza.Masumaanáliseatentadeal-
gumas campanhas mundiais veiculadas
atualmente (Versace e PlayStation, só
para fornecerdoisexemplos)mostraque
algomudounos códigosde seduçãoque
estruturama retóricapublicitária.Eessa
mudança atingiu em cheio as imagens
ideais do corpo e da sexualidade.
duta, assim como os processos de
autocompreensão. Daí a idéia de que a
imagempublicitáriaé sempreuma
ima-
gem implicativa.
Ela consegue nos im-
plicar nas situações que ela apresenta.
Graças a isso, quando compro um pro-
duto, posso esperar ser reconhecido
comoalguémcujapersonalidadeésimé-
trica àpersonalidadedamarca.Quando
comproumAudiA4, estouconsumindo
uma imagem de forte valor implicativo
quemepermitedefinir comodevo ser e
qual estilodevo ter para ser alguémde-
sejável. A publicidade aparece assim
comoumagrandepedagogiadodesejo.
Consumir
é, necessariamente,
iden-
tificar-secom.
Oquenosexplicaporque,
ao invés de argumentar de maneira de-
dutivaasvantagenseespecificidades téc-
nicas do produto, a publicidade prefere
exibirumaatitude
queexpõeoestilosin-
gular de vida capaz de implicar o con-
sumidor.
Nesse contexto, podemos entender
por que as imagens do corpo e da sexu-
alidade são tão importantes para a retó-
ricapublicitária.Nãose tratadeuma im-
portância restritaàpublicidadedemoda,
deperfumes,deprodutosdehigienepes-
soal etc. Se a identificação é uma das
operações fundamentaisdapublicidade,
então todoprocessodeconsumodeverá
necessariamenteexpor“comodevoser”
e, em última instância, “como deve ser
meu corpo” para que ele seja um objeto
desejável.Oquenospermiteafirmarque,
por trás de todo atode consumo, háo ato
de
consumir a si mesmo
, ou seja, consu-
mir a imagem ideal de si que aparece en-
carnada emumproduto.
Consumirasi
mesmo
Antesdeanalisarmosanaturezade tal
mudança,valeapena fazeraquiumacon-
sideração de ordem geral. Quando a pu-
blicidadequestionasuas imagens ideaisde
corpo e de sexualidade, ela provoca ne-
cessariamenteumterremoto.Poistaisima-
gens fornecem uma das bases para a efi-
cáciadaretóricapublicitária.Aomodificá-
las, toda a economia retórica da publici-
dade tendea transformar-se.
Para compreendermos esse ponto,
lembremosqueaforçapersuasivada ima-
gem publicitária fundamenta-se em uma
operaçãode
identificação
,ao invésdefun-
damentar-se em uma operação de
argu-
mentaçãodedutiva.
Uma imagemnãoar-
gumenta, ela produz identificações. Ela
nos coloca em lugares e nos faz assumir
papéisqueacabampororientarnossacon-
Aseduçãodo
corpodoente
Masoquenos interessanestadiscus-
sãoé identificarasmudançaspelasquais
as imagens do corpo e da sexualidade
vêmpassandoultimamente.Qual a lógi-
ca que guia tais modificações? Eis uma
questãomaior.
A primeira grandemodificação veio
através das campanhas mundiais da
Bennetonveiculadasnametadedosanos
80. Seu conceito estava exposto no
slogan
“UnitedColorsofBenneton”.Ele
consistia em expor jovens modelos de
todasas raçasunidospelousoglobaldos
moletons deLucianoBenneton.
Masessamultiplicidade racialnas re-
presentaçõesdocorpoaindanãoanunci-
ava o tamanhodoque estava por vir. No
início dos anos 90, a publicidade viu a
introduçãodo
corpodoente
comoumdis-
positivo que exigia plenos direitos na
retóricadodesejo.Oexemplomaioraqui
são as campanhas da Calvin Klein que
traziamaestética
heroina-chic.
Eracomo
sedescobríssemosquehaviaalgumacoi-
sano corpoquenão se identificavamais
com a imagem do corpo harmônico que
guiaraa lógicapublicitáriapor tanto tem-
po. De fato, tais representações já havi-
am aparecido anteriormente na estética
dos videoclipes e na moda. A beleza
anoréxica de Kate Moss, por exemplo,
tinha necessariamente algo desta ordem
de representaçãodo corpodoente.
De fato, essecorpo saiuumpoucode
cena atualmente. Mas elemostrou, pela
primeira vez, que a publicidade podia
reconhecer que o sujeito é capaz de se
identificar comalgodeautodestrutivo.
A
retórica publicitária assumia enfim a
ambivalência fundamental do desejo.
“Quandoa
publicidade
questionasuas
imagens ideais
decorpoede
sexualidade,
elaprovoca
necessariamente
um terromoto.”
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