janeiro/fevereirode2014|
RevistadaESPM
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conceito de responsabilidade no conceito mais básico
da vida social. Urbanidade e polidez valorizadas como
atitudes que pavimentamo direito à franqueza, à diver-
gência e à crítica e não como justificativas para a insin-
ceridade. Ao fim e ao cabo, valores ancestrais depura-
dos por séculos de reflexão filosófica contrapostos aos
valores modernos, emdiálogo.
Omaior desafio será criar umambiente para supera-
ção do despreparo para abordar questões éticas, pois as
atuais gerações praticamente não tiveram contato for-
mal comesse tipo de tema. Apedagogia contemporânea
sequer designa umnome para esse campo da educação,
que inexiste namaior parte das escolas como objeto de
estudo, mas o nome certo é educação moral, campo da
reflexão humana que estimula o indivíduo a aprimorar
seu caráter e lhe dá conceitos para isso.
No Brasil, ela desapareceu desde os anos de 1980.
Antesdaditadura, eraamoral deummundoemextinção,
apavorada ante a desestruturação damoral herdada. Na
década de 1970, foi uma combinação primitiva de dou-
trina autoritária, commoralismo cívico e reacionarismo
social, totalmente divorciada da revolução libertária que
se produzia nas novas gerações. O edifício dessa ética
ultrapassada ruiu de cima a baixo comamodernização
dos costumes, e isso foi muito bom. O problema foi não
termos colocado nada no lugar.
Éprecisoperscrutaroqueasabedoriahumana,formada
ao longo de milênios, foi definindo como bem comum,
Em junho de 2013, enquanto policiais bloqueiam
os arredores do estádio doMaracanã, noRio de Janeiro,
mulher protesta contra a precariedade dos
sistemas públicos de saúde e ensino
justiça, as boas qualidades do espírito. Compreender as
virtudes da sociedade aberta, combinar a liberdade à res-
ponsabilidade, cultivar os valores domundodo trabalho,
refletir sobre o que leva a uma vida mais feliz. Antes de
buscar precipitadamente respostas, temos de reencon-
trar serenamente as perguntas. Falta repovoar omundo
com as palavras que permitem dar significado à dimen-
são éticada vida. Oque existe, diziaGuimarãesRosa, são
as palavras. Sempalavras o homemnão se humaniza.
Esse trabalho de formação poderia e deveria ser feito
dentro e pelas famílias,mas as famílias são parte do pro-
blema. Amissãopassaentãoparaas instituições, escolas,
empresas e repartições. Será uma luta social, uma ideo-
logia, commétodos novos e fins possivelmente inéditos.
Mas tenhamos claro: sem a educação brasileira entrar
massivamente no jogo, com consciência da dimensão
históricadessemovimentopedagógico, nãohaverámuita
perspectiva. Essa é uma tarefa para duas gerações.
Renato Caporali
Economista, mestre em filosofia e doutor em desenvolvimento
sustentável. Atualmente contribui com a Unesco no Projeto
Sesi de Ética na Educação para o Mundo do Trabalho
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