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janeiro/fevereirode2014|

RevistadaESPM

49

Revoluçãode

valor

Nova geração de brasileiros protesta na tentativa de romper comvalores éticos arcaicos e

opressivos, trazendo à tona a discussão do que a sociedade considera como certo ou errado

Por ArthurMeucci e Clóvis de Barros Filho

P

oucas vezes vivemos ummomento histórico

tão fértil para discutirmos os valores éticos.

Emumpaís de origemcolonial, tão submisso

aosmandos e desmandos dos conquistadores

europeus e da nossa elite, um espírito de libertação se

apossoudosnossos corações. Osmovimentos sociais que

tomaram as ruas do país foram o anúncio da mudança.

Trabalhadores exigindo transporte públicode qualidade,

estudantes da Universidade de São Paulo (USP) reivindi-

cando, bravamente, eleições diretas para reitor, profes-

sores no Rio de Janeiro parando a cidade por melhores

salários e condições de trabalho, minorias enfrentando

os agentes repressivos do Estado e exigindo o respeito

aos seus direitos políticos como seres humanos e cida-

dãos. Amobilização para apoiar as causas sociais como

oMovimento Passe Livre, PartoHumanizado, Comissão

da Verdade, entre outras reivindicações sociais, mostra

quenossa juventudenão é tão egoísta comodizem. Neste

Brasil que deseja romper com valores éticos arcaicos e

opressivos, surgeaesperançadepodermosdiscutir aquilo

que consideramos certo ou errado de umamaneiramais

participativa e inclusiva.

Contagiados por esse espírito primaveril de renova-

ção, os agentes domercado tambémcomeçarama ques-

tionar os valores corporativos e as práticas comerciais

legitimadas até pouco tempo. Não estamos falando de

decadência da sociedade ou do fimdo capitalismo, mas

daquilo que o economista checo Joseph Schumpeter

(1883-1950) conceituou como

processo de destruição cria-

dora

. Em outras palavras, para uma sociedade ou mer-

cado se desenvolver, é necessário o rompimento comos

sistemas antigos e a adequação às novas tecnologias e

comportamentos. Logo, o fenômeno das redes sociais

e colaborativas não ficaria restrito somente ao mundo

virtual. O aumento de interação entre o cliente e o site

visitado não iria ocorrer apenas na Web 2.0. Em algum

momento esse modelo iria contagiar todas as empre-

sas fora da internet e os trabalhadores cobrariam uma

maior participação nas decisões. Parece-nos que essa

hora chegou.

Repensando os valores

Quando somos convidados pelas empresas para rever

seus códigos de ética, ou ajudá-las, duas perguntas sem-

pre aparecem: por que gastar dinheiro buscando os valo-

res da instituição se podemos jogar palavras bonitas no

banner do MVV (sigla corporativa para Missão, Visão e

Valores) e escrever umcódigo de ética, em forma de leis,

dizendo tudo aquilo que se pode ou não fazer? Por que é

tão importante termos valores?

Essasquestõessãomuitomaisreveladorasdoqueosenso

comum entende por ética. A primeira pergunta revela o

caráter fascistadaatual sociedadedemercado, pois todas

as boas e más ações que um trabalhador pode exercer

deveriam se enquadrar em disposições legais. O filósofo

ImmanuelKant(1724-1804),bemcomoomovimentoPositi-

vista (1855-1947) quedeu formaàsnossas instituições, nos

ensinouqueéticaé liberdade, reflexão, consciênciae livre

escolha, ao passo que o direito é a antiética em essência,

pois, quandonormatizaas ações, ele restringea liberdade

dedecidir. Hádecisões éticasquepodemser ilegais, como

lutar pela liberdade e pela democracia em uma ditadura,

bemcomoháações legaiseantiéticas, comoprendereexe-

cutarjudeusnaAlemanhanazistaousegregareassassinar

palestinos emumEstadosionista. Umcódigo jurídiconão

pode ser consideradoumcódigode ética, pois ambos pos-

suemlógicas e objetivos distintos.

A segunda pergunta, sobre a importância do valor,

revela lacunas importantes na formação acadêmica dos

profissionais demercado — problema este que não deve

ser creditado somente às universidades, mas também

às políticas públicas de educação que excluíram a filo-

sofia do ensino médio.

Os valores éticos são conceitos de referência para que

possamos orientar nossas ações emcircunstâncias nas

quais não há uma resposta pronta para um problema.