entrevista | antonio roque dechen
Revista da ESPM
|maio/junhode 2014
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dessa mudança de visão que estava
em curso. Foi daí que começaram
a surgir as primeiras escolas brasi-
leiras de agronomia, para formar
pessoal qualificado. No entanto, até
1950, o Brasil contava com apenas
dez escolas e foi aí que tivemos um
salto, chegando hoje a mais de 250
instituições de ensino no setor.
Arnaldo –
A inciativa privada tem
uma participação importante no campo
científico ou isso ainda estámais restrito
ao meio acadêmico?
Dechen –
Aí temos dois cenários:
do empresário do agronegócio e das
empresas de desenvolvimento. Não
vou citar nomes, mas as últimas são
companhias que comercializam se-
mentes geneticamente modificadas
ou defensivos que, sem dúvida, têm
contribuições importantíssimas. Só
que o foco é diferente. Dasmais de 250
escolas que temos hoje, muitas ainda
não têm estrutura de desenvolvimen-
to, mas temos escolas tradicionais e
institutos de pesquisa com um traba-
lho que passa por diversas culturas.
Uma empresa que trabalha com soja
temmuitomais capacidade para atuar
nessa área, enquanto uma instituição
vai trabalhar commilho, arroz, horta-
liças, que têmuma importânciamuito
grande para a agricultura como um
todo. O que posso dizer é que nossas
escolas possuemhoje altíssima tecno-
logia e grande inserção internacional.
E esse é outro salto que começou lá na
década de 1970, quando começamos
a levar os primeiros estudantes para
fazer pós-graduação no exterior.
Arnaldo –
Ocrescimento da agricultura
intensiva tem esquentado o debate em
torno das práticas de sustentabilidade.
Existe uma enorme preocupação não só
com a ocupação de biomas protegidos,
como a Amazônia, mas também o uso
da biotecnologia e o consumo de recursos
finitos como a água. O senhor vê uma
contradição entre a agricultura de escala
e a preservação domeio ambiente?
Dechen –
Não. Hoje o proprietário
de terra sabe que precisa usar tec-
nologia de manutenção para aquilo
que é a atividade produtiva dele. Se
ele não praticar uma agricultura de
sustentabilidade, vai produzir cada
vez menos de um ano para outro, até
precisar mudar de área. Vai cair no
que tínhamos antigamente. O indi-
víduo comprava a terra, escolhia a
melhor parte para café, milho, soja ou
cana, depois plantava florestas, como
seringais, nas áreas secundárias. A
parte ruim virava pasto, sem nenhum
tipo de manejo. Agora, nós temos alta
produtividade em qualquer área, com
trabalhos de zootecnia de altíssimo
nível, por exemplo. Os produtores adu-
bam pastos, é totalmente diferente. A
sustentabilidade tornou-se inerente
ao próprio negócio, caso contrário o
agricultor não temresultado.
Arnaldo –
O senhor vê com preocupa-
ção o avanço da agricultura extensiva
na Amazônia?
Dechen –
Isso é realmente um absur-
do. Quando se veem aquelas imagens
de satélite com imensas áreas derru-
badas, fica claro que é preciso coibir a
devastação. Por isso, devemos dirigir
o nosso foco para a recuperação. O
grande espaço de crescimento da
nossa agricultura vem de solos que já
foram degradados, como as imensas
áreas de pastagens. Você tinha o gado
na pior área da sua propriedade, não
tratou e o solo ficou ainda pior. Então,
hoje é necessário um gasto alto para
recompor esse terreno. Isso precisa
ser feito, já pensando em altos níveis
de produtividade. A questão não é
mais entrar em novos territórios, mas
recompor aquilo que já foi destruído.
Arnaldo –
Em contraposição a esse
modelo extensivo, temos o avanço das
small farms
. Como o senhor vê esse
movimento?
Dechen –
Esse é umpessoal que está
enxergando o futuro. Hoje, o mais
importante não é ter uma fazenda
do tamanho de um bonde, mas uma
propriedade pequena de altíssima
produtividade, que é a origem do
conceito de
small farm
. Eu até cito
como exemplo uma experiência
pessoal. A minha disciplina é nutri-
ção mineral de plantas e, em 1981,
quando eu vim aqui para a Esalq,
comecei a dar um dos tópicos mais
gratificantes do curso, que era o
cultivo hidropônico. Os alunos ado-
ravam, mas não se sabiamuito bemo
que fazer comaquilo, porque era algo
que não existia fora do laboratório.
Agora, omais importante não é ter uma fazenda
do tamanho de umbonde, mas uma propriedade
pequena de altíssima produtividade, que é a
origemdo conceito de
small farm