Maio_2009 - page 16

Entrevista
R e v i s t a d a E S P M –
maio
/
junho
de
2009
16
um sucesso, não houve qualquer
problema. Porque a questão não é
esportiva; é religiosa. Aqui noBrasil,
senta-se àmesa com qualquer um –
independentedecor, religião, cultura
oupoder aquisitivo.Na rua todos são
iguais, nós nos acostumamos a isso,
mas no restodomundonão é assim,
nãoé fácil.Maso futeboléúnico.Aqui
vamosaum jogo, sentamosnaarqui-
bancada, não sabemos quemestáao
lado,mas acabamos conversando...
JRWP–Existealgumacoisadeespe-
cial como futebol,diferentemente
deoutrosesportes,paraessaapro-
ximaçãoentreospovos?
JoãoHavelange–Como jádisse,
acho que a coisa que mais atrai é a
bola.Voulhedarumexemplo:quando
oCarlosLacerda foiGovernador, con-
vidou-meparasersecretáriodele.Nos
dávamosdesdemeninos,equandoele
chegouaGovernadormedisse“queria
que você fosse o meu Secretário de
Esportes”. Mas respondi “não aceito
porque você tem um gênio terrível e
umdiavamosterproblemas”.Quando
chego em casaminha esposame diz
“amãe e a esposa doCarlos Lacerda
telefonaram, edisseramquevocênão
negueopedidodele”.Nodiaseguinte
fui aoPalácioedisse: “Euaceito,mas
sehouverqualquercoisaeumeretiroe
comumacondição:nãoqueroreceber
nada,deixaqueeu façadomeu jeito”.
Issofoiem1960/1964–elefaziaasreu-
niões de secretariado em cada bairro
dacidade,naépoca.Eutinhaumcarro
grandeecompravabolas de futebol e
devoleibole levava;pegavaumpapel,
dava para uma criança e colocava o
mesmonúmerono chapéu, distribuía
entreasmeninaseosmeninosedepois
sorteava.Porque isso?Comumabola,
vocêcontenta22pessoas–emenina,
novoleibol,vocêcontenta12.Eudizia
sempreaosmeusamigos:“Quandoseu
filhofizeraniversário,nãodêpresente,
convidaosamiguinhos,dêumabolae
solte todos eles; vão correr odia todo
atrásdabola,nãovão incomodarnin-
guém,ànoitevãoestarcansadosevão
dormir”.Vejaovalordabola.Omundo
temdepensarnabolarolando,porque
omundotambéméredondo,eleéuma
bola,ele temderodar, temdechegara
todos, temdeserde todos,para todos,
e a bola na FIFA é de todos, não há
distinção. É oque ainda está faltando
naONU, aONU temde serde todos.
Gracioso – Bom, o primeiro
conselho que o senhor poderia
daraoSecretárioGeraldaONUé
“tireotraseirodacadeiraemNova
Iorque e vá conhecer omundo”.
EununcaviosSecretáriosdaONU
–nãosóoatual,masosanteriores
– saíremdeNova Iorque...
JoãoHavelange – É necessário
ir aos povos, tocar o indivíduo, isso
é de importância capital. E uma coi-
sa – só um louco faz isso porque há
de considerar que eu sou um pouco
louco, nesse aspecto. Quando fiz
a minha campanha, tinha sempre
alguém comigo com uma máquina
fotográfica,que tiravauma fotominha
comopresidenteda federaçãodopaís
queeuestava. Já imaginoueuchegar
em Frankfurt, para eleição, encontrar
presidente da África, presidente da
Ásia e não cumprimentá-los? Então
eumemorizava,pois,sepassassenum
aeroporto em Fiumicino, em Paris
ou Londres e não cumprimentasse,
fariaum inimigo; aí eumemorizavaa
pessoaequandomedirigiaaele, ele
deviapensar: “Elenãome esqueceu,
ele só pensa emmim”. Nisso, o ser
humanoéegoísta, achaqueé sóele.
JRWP –Mas comoo senhor con-
seguia fazer issosozinho,porque
ouvimos falar que os políticos
têm um secretário que vem e
segreda no ouvido dele. Como
o senhor conseguia?
JoãoHavelange – Eumemoriza-
va, levavaa fotografia,ficavaolhando
e o nome também. Na Cometa che-
gamosa ter15milempregados;cinco
mil quevinhamaomeugabinete, eu
sabiaonome.Quandoeleentrava,eu
o cumprimentava e quando ele saía
devia pensar “ele me conhece, ele
é meu amigo”, achando que era só
com ele, então você ganha um ami-
go. Émuito importante você chegar,
cumprimentaredaronome,apessoa
jamais esquece, isso sensibiliza.
Gracioso – Em vista de toda
essaexperiência, oque lheocor-
reria sugerir ao Al Gore, ou à
ONU, para lutar contra essas
forçasque tentamdesfazeroque
foi feito,ao longode tantosanos,
e separandoospovos:ospobres
contra os ricos, os olhos azuis
contra os olhos escuros, e assim
pordiante.Oque fazer,Dr. João?
João Havelange – A bola uniu
todomundo. Não tenho que me in-
trometer, mas acho que o presidente
da ONU, em vez de ficar sentado,
emNova Iorque, tinhade ira todosos
países para sentir cada um deles. Por
exemplo, a Coreia doNorte, de que
todos falam.NomeumandatonaFIFA
fui umas cincoou seis vezes àCoreia
doNorte. EntreemSeul ePyongyang
há 140 quilômetros de estrada, que
está fechada há 40 anos; eu saía de
Seuldeavião,iaaHongKong,Pequim,
entravapor lá, eassim foi umas cinco
ou seis vezes. Poderia ir pela Rússia,
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