Temos de inventar uma utopia viável
R e v i s t a d a E S P M –
março
/
abril
de
2009
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é a capacidadeque as pessoas têm,
sobretudo os mais jovens, de, no
isolamento, estarem ligadas. “Minha
filha, meu neto, ficam em casa até de
madrugada sozinhos noquarto”...Não
estãosozinhosnoquarto;estão falando.
Estãoligadoscomomundo,literalmente.
Estãomaisemconexão,eventualmente,
doquenopassado. Eamassade infor-
mações recebidasé imensa.
HáumazonanacidadedeSãoPaulo,
muito pobre, que se chama Cidade
Tiradentes. Fizmuita campanha lá no
passado.ARuth,antesdemorrer,estava
fazendoumapesquisaporlá,emedizia:
“Vocêprecisavoltar lá,mudou tudo,há
umaenormequantidadede
lanhouses
eameninadaestá toda lá!”
Essa gente aprende um inglês precário,
mas aprende.Mesmonão tendopassa-
do por escola. Emesmo sendo pobre.
Éuma ilusãopensar queéumelitismo,
aocontrário.Émenoselitistadoqueera
nossa escola tradicional à qual pouca
gente tinha acesso. Não estou fazendo
a apologia da não-escola, nem de que
essesmeiosdecomunicaçãovão salvar
omundo. Simplesmenteafirmoque, se
quisermosentenderomundocomoele
é hoje, e não ficarmos com a imagem
antigaque tínhamos, teremosdeadmitir
queessesmodos decomunicaçãomu-
darammuitoeque–por consequência
– sociologicamente também temos de
tiraralgumasconclusões.
Nossomundomentalapartirdoséculo
XIX estruturou-se com a ideia correta
que tínhamos, de que a sociedade se
organizou por classes sociais. Isso nos
parecia um conceito suficientemente
forte para explicar o comportamento.
Só que, há muito tempo, já vivemos
numa sociedade que – sem deixar de
terclasses–édemassa.
Por exemplo, hoje, cada vezmais, as
pessoas usamomesmo tipode roupa.
Vocênãodistingueaclassepela roupa
– e essa loja, na Inglaterra, Max and
Spencer,teveimensainfluêncianisso,de
mudaromododaspessoasse trajarem.
Você não podemais descobrir a que
camada a pessoa pertence, pelo traje.
Émais difícil descobrir as coisas pelos
sinais exteriores.Oacessoàcultura foi
amplificado. As classes persistem, por-
queomercadoédiferenciadoeporque
a propriedade diferencia uma série de
coisas.Opoder está vinculado a essas
diferenças; ospoderesde fato, quenão
dependemdeeleiçãonemdapolítica.
Sãopoderesestabelecidos.Asdistinções
entre as camadas existem.Você pode
lutarcontraisso,podelutarparadiminuí-
las.Masas formasdecomportamentos
sãomenosdiferenciadaseas formasde
solidariedade, também.
Fomos acostumados auma sociolo-
gia onde a coesão social era basea-
da, fundamentalmente, naestrutura
do mercado e da sociedade, das
classes, dos segmentos. Hoje, as
formas de coesão social são mais
complicadas. Até porque – como
disse aqui e todo mundo sabe – a
sociedadebaseadana internetéuma
sociedade fragmentada, em que a
coesãonãosedáporpresença física,
masporafinidades,queocorremno
planosimbólico,equepodepromo-
ver solidariedades entre camadas
muitodiferenciadas.
As formas de coesão são bemmais
tênues,numcertosentido;enenhuma
sociedade existe sem coesão. Quem
conheceumpoucodesociologiasabe
que isso é uma das questões. Mas
como se dá a sociabilidade, como
um se relaciona com o outro, o que
asseguraa repetiçãodecertas formas
de relacionamento, quais são os ele-
mentosque ligam, qual éacoesão?
NaEuropa, eles dizemcomorgulho
que têm“omodelo social europeu”.
Haveriauma formadecoesão social
europeia, em contraposição aos Es-
tados Unidos, onde não haveria tal
formadecoesão.NocasodaEuropa,
elesqueremdizerqueoEstadoajuda
as pessoas e ajuda a forma de pre-
servaçãodobem-estar, independen-
temente das condições individuais.
Enquanto nos Estados Unidos, não.
O que é verdade.Mas, de qualquer
maneira, as formasdecoesão jánão
se resumem apenas a essas duas
formas básicas: ou éomercadoque
separa e agrupa por
clusters
, ou é o
Estadoque, dealgumamaneira, ten-
deauniversalizarehomogeneizar, a
despeitodesses
clusters
.
Essa temática aumentamuito a quan-
tidade de ações voluntárias. Aumenta
muito a sensibilidade para temas que
cruzamasclassesedespertamacurio-
sidade de pessoas de classes diversas.
Por fim, apesar de tudo, apesar desse
mundo que émutável, apesar de que
tenteimostrar a vocês que hoje temos
novas formasdecomunicaçãoquesão
importantesparaseentender tudo isso.
Seédifícil imaginarummundode re-
grasfixas, édifícil fazerumaprevisão
muito segura de todas as coisas. De
qualquer maneira – a despeito das
múltiplas fragmentações eda imensa
}
Émais difícil descobrir as
coisas pelos sinais exteriores.
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