Marco_2009 - page 79

FernandoHenrique
Cardoso
março
/
abril
de
2009 – R e v i s t a d a E S P M
79
dificuldade que há para a política e
paraavida–mesmoporcausadessas
múltiplas fragmentações, continuam
existindoproblemasqueafetamocon-
junto, e que podem provocar formas
de solidariedademais vitais.
No passado, o sonho de Marx era
de que, no dia em que a sociedade
não tivesse classes, todos viveriam
domesmo jeitoeacoesão seriaper-
feita.Ou seja, a fraternidadeadviria
da igualdade.
Hoje, dificilmente, alguém sustenta
a possibilidade de um mundo de
igualdade, por mil razões. E, por-
tanto, nãoháde ser sópor aí que se
vá buscar formas de convergência.
É preciso buscar outras. E omundo
destemomento temalgunshorizon-
tes, alguns desafios que – possivel-
mente–podemprovocarmovimen-
tosque, adespeitoda fragmentação
e a despeito da diversidade de
situações objetivas, levem a uma
certa convergência ou provoquem
certo tipo de solidariedade. Uma
eu não vou falar; possivelmente
depois dessa crise financeira ela se
torne patente.
Vai sernecessárioalgummecanismo
que supervisione as coisas em nível
global. Está-se vendo que o que
aconteceu foi grave. Ninguém sabe
qual vai ser o caminho final desse
percurso em que estamos, mas já
se percebe que será preciso alguma
norma e que essa norma, possivel-
mente, terámaisconsistência senão
for imposta por um lado só. Difícil,
mas algum tipo de convergência
institucional podeocorrer.
Mas existem outras. Acho que o
Obama agora mesmo demonstrou,
maisumavez, oempenhoemque se
encontraenós jáestamoscomelehá
algum tempo.
A respeitodedois temas queatraves-
samomundo:uméaenergia,outroé
aecologiaeelesestãopróximos.Exis-
temalgunsriscosplanetários:energiae
escassez.Emgeraldeágua.Omauuso
dascoisas.Enfim,épreciso introduzir
alguns ingredientes de racionalidade
sistêmica planetária, para evitar que
hajaum agravamentoda situaçãodo
mundo, a tal pontoquepossapôr em
riscoasobrevivênciadahumanidade.
Verdade também que não são ime-
diatos, e tudo que não é imediato é
difícilàspessoasse ligarem,maséreal.
Existeumaquestãonaáreadeenergia
e–comoconsequência–existeoutra
questãonaáreadaecologia.
E,nãoporacaso, esses são temasque
tocamosjovens.Detodasaspesquisas
queeuvi;alémdomododeexpressão
através damúsica eda conexãopela
internet, o temamais próximoda ju-
ventude éo temadomeio ambiente.
Há uma preocupação verdadeira a
quem isso possa causar, realmente,
um danomuito grande. E há outros,
como as drogas, que também preci-
samserenfrentados–eumesmoandei
metido nisso – porque acho que é
um temaque toca todomundo, toca
a juventude, e não pode continuar
sendo tratadocomdesdém, pormeio
da repressãopurae simples.
Queroconcluirdizendoque,adespei-
tode todas as dificuldades, de todaa
fragmentação, da falta de comunica-
ção–mesmoentregerações–existem
algunscaminhospelosquaisépossível
buscar uma renovação: uma renova-
çãoda linguagem,uma renovaçãode
valores, uma renovação da política,
uma renovaçãodas formasdecoesão
para que encontremos um caminho
no qual possamos voltar a acreditar
que é possível uma sociedade me-
lhor. Não no sentido simplesmente
dos fóruns sociais, em que um outro
mundo épossível, e entendemos por
outromundooqueeuchamodeuma
utopia regressiva. Quero dizer, uma
voltaaopassado.Ninguémvai voltar
aopassado, issoé inviável.
A tecnologia está aí, o mundo vai
continuar global, mas quem sabe
seja possível, nesse mundo global
– exatamente porque ele tem esses
mecanismos de integração, que são
supranacionais e permitem que se
busque uma forma de solidariedade
ao redor de temas que transcendam
tudo isso. Será possível realmente
criar-se–vouusarumapalavra talvez
forte demais, mas sem a qual não
conseguimos mover nada – alguma
utopia em que a gente acredite. Eu
costumodizer uma “utopia viável”,
que é uma contradição dos termos,
porque utopia quer dizer “em lugar
nenhum”,umacoisaquenãoexiste.
Achoque temos de inventá-la, para
queas pessoas imaginemquepossa
existir equepermita, então, refazer,
de uma maneira mais saudável, os
liames sociais entre os jovens e os
maisvelhos,oshomenseasmulheres,
osnegroseosbrancos.Enfim,alguma
utopia para que possamos, pelome-
nos,morrer com ilusões.
Muitoobrigado.
}
Algum tipo de convergência
institucional pode ocorrer.
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