janeiro/fevereirode2014|
RevistadaESPM
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Weare anonymous
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razãodesererazãodeEstado
Dasmanifestações que tomaramas ruas e avenidas do Brasil àAlemanha nazista,
quantos sonhos foramassassinados pormovimentos políticos durante a história?
Por Jorge LorenzoValenzuelaMontecinos
P
assados 40 anos do golpe de Estado contra o
presidente chilenoSalvadorAllende, amemó-
riapolítica tantodaesquerdaquantodadireita
continuam vivas e em lados opostos. Desta
vez, o paradoxo raia ao paroxismo, onde duas mulheres
amigasde infância, unidaspor umamesma tragédia, vêm
lutar pela presidência da República do Chile em campos
antagônicos. Uma vezmais a alternância entre esquerda
e direita se sucede, semaportar câmbios significativos a
um sistema político injusto, excludente e desigual. Essa
contenda eleitoral foi realizada dentro das estreitasmar-
gens de uma Constituição autoritária e com a tutela das
Forças Armadas, verdadeiro Estado dentro do Estado.
Essaeleiçãopresidencialcolocouemdebateavozdasruas
noChile.Agora,apresidentereeleitaMichelleBacheletterá
deresponderaogritodemilharesdegargantasdejovens,que
clamam, emalto e bomtom, seus sonhos de rebeldia: uma
AssembleiaConstituinte;ofimdaConstituiçãodeAugusto
Pinochet, de1980; educaçãogratuita, laica, obrigatóriaede
qualidade; saúde igualitária para todos os cidadãos; previ-
dência social justa para todos; abertura dos arquivos das
ForçasArmadassobreoparadeirodosdesaparecidos;aver-
dadesobreautilizaçãodogásSarinemdirigentespolíticos
deoposição;eofimdoenormeorçamentodasForçasArma-
das,obtidodiretamentedasvendasdocobre,semnenhum
controleporpartedasociedadecivil oupolítica.
Omomento não poderia ser mais delicado, quando uns
riemeoutroschoram,pelotristeaniversáriodogolpemilitar,
quefoiapoiadopelaAgênciaCentraldeInteligência(CIA,na
sigla eminglês), dosEstadosUnidos, comcerimônias som-
briasparahonraramemóriademaisdetrêsmildesapareci-
dos, produtodo golpemilitar, que pôsfima umdos sonhos
mais lindos e democráticos das últimas décadas, somente
comparávelcomafrustraçãodosonhodaPrimaveraÁrabe.
Apesar de sua aparente consolidação econômica e
política, o Chile vive no olho do furacão das injustiças.
Os protestos estão trazendo ao cenário político temas
de extrema atualidade, tais como: o aborto; o casamento
homoafetivo; as greves dos trabalhadores; e as respos-
tas violentas por parte dos organismos de repressão. A
enorme abstenção dos jovens nesta eleiçãomostra uma
falta de confiança na classe política, como nunca se viu
no Chile, o descrédito dos políticos e sua corrupção.
Em1888, FriedrichNietzsche produziu sua penúltima
obra escrita antes de perder a “razão”:
O crepúsculo dos
ídolos —Ou como se filosofa comomartelo
(Companhia das
Letras, 2006). Serenoe funestono tom, comoumdemônio
que ri, o texto é a suprema exceção entre os livros. Não
há nada mais subversivo, substancioso, independente
e funesto do que ele. “Se alguémquiser ter alguma ideia
a respeito, de maneira mui breve, como tudo estava de
ponta-cabeça antes demim, comece por essa obra (
Ecce
Homo
). Aquilo que chamo de ídolo no título é simples-
mente tudo o que foi chamado de verdade até hoje” (a
velha verdade chegou ao fim).
Se por verdade aceitamos o bem comum, sendo este
fundamentalmente umconjunto de condições estrutu-
rais que se expressana justiçada sociedade, as condições
e a justiça devemser garantidas pormeioda comunidade
política, que também deve assegurar o acesso ao bem
comum a todos. Assim, a justiça promovida pelo bem
comumé a virtude por excelência da cidade, do cidadão
e do político. Dessemodo, seria absurdo que aqueles que
detêmo poder (
imperium
) político representemsomente
grupos de interesse de indivíduos, sobretudo se esses
grupos são aqueles que se apropriamdo bemcomum. Éo
caso dosmensaleiros, envolvidos no escândalo domen-
salão, em que as penas são brandas e comprivilégios.