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janeiro/fevereirode2014|

RevistadaESPM

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segundo o direito civil, cada cidadão não pode ter nem

fazer senão aquilo que pode reivindicar por um decreto

comumda cidade. É o que explica o texto

Tratado político

presente no livro

Espinosa

, da coleção

Os pensadores

(Edi-

toraAbril Cultural, 1973). Odireito émedido pela propor-

çãodiretadepoder quesejaefetivamenteexercido: tem-se

direito a tudo quanto se tenha poder para obter emanter.

Eo direito de cada umvai até onde se estender seu poder.

A lei da exceção

Um dos juristas do nazismo, Carl Schmitt (1888-1985),

disse: “Aexceção émais interessante que a regra. A regra

não prova nada; a exceção prova tudo”. Schmitt argu-

mentava que a possibilidade de discórdia coexiste com

a de aliança e neutralidade. Ele considerava o indivíduo

potencialmenteperigosoe, comisso, haviaumconstante

riscopolítico e uma permanente possibilidade de guerra.

Schmitt admitia que essa constante perspectiva deveria

ser o guia último e definitivo para o soberano, que teria

de estar sempre pronto para ela, a guerra.

Aesferapolíticaéummundoantagônico,nãoapenasum

domínioindependentenoqualoscidadãosinteragem,como

as esferas da sociedade civil ou de comércio. A lei tem de

agir de formaadequada, pormeiodas cortes ede suaburo-

cracia associada em condições normais. Mas na política

existemcondições excepcionais, atémesmo o caos, onde

as cortes (tribunais) não estão equipadas para fazer julga-

mentosbons e rápidos. Alguémdeve ter apossibilidadede

suspender a lei durantecircunstânciasexcepcionais. Sch-

mitt alegava que isso era parte do papel do soberano: ele

possui a autoridade definitiva para decidir quando a situ-

açãoestá “normal”ou“excepcional”, podendo, assim, ditar

quando certas leis devemounão ser aplicadas.

Aocolocar avidaacimada liberdade, Schmitt argumen-

tou que a legitimidade do soberano não depende apenas

da aplicação da lei, mas de sua habilidade para proteger

oEstado e seus cidadãos. Os judeus, comunistas, homos-

sexuais, ciganos e loucos eram um perigo para a raça

ariana. Consequentemente, a “soluçãofinal” colocava-se

como um imperativomoral. Nesse sentido, o verdadeiro

poder de umsoberano emerge das circunstâncias excep-

cionais dentro da história. Osoberano deve tornar-se um

verdadeiro legislador, em vez de ummantenedor da lei,

sendo apto a mobilizar a população contra um eventual

inimigo; foi o casode Pinochet, aopromulgar aConstitui-

çãode 1980, emvigor até hoje, noChile. Nela, asmargens

de transformação são quase nulas ou impossíveis, e os

acordos políticos são restritos a seumarco delimitatório.

Na argumentação autoritáriada crençanazistahavia o

tratamentoqueosjudeusrecebiamantesdesuaaniquilação

física. Emumprocesso tortuosodehumilhaçãomental, os

nazistas primeirodestruíamos judeus emsua dignidade,

reduzindo-osaumnívelsub-humano,transformando-osno

que sedenominava “muçulmanos”. Viravamuma espécie

de “mortos-vivos” e deixavam até de reagir aos estímulos

mais básicos, passando gradualmente a não sentir mais

sede,fomeoudesejodeviver.Sóquandopassavamaexistir

maispor forçadohábitodoquepor uminstintonatural de

sobrevivência,eleserammortos,comocitaSlavojZizek,no

livro

Alguémdisse totalitarismo?Cinco intervenções do (mau)

uso de uma noção

(EditoraBoitempo, 2013).

O Holocausto é classificado como ummistério, con-

siderado o coração das trevas de nossa civilização, se

tomarmos como exemplo os filmes

A lista de Schindler

ou

A vida é bela

como pistas para entender os mistérios

da mente humana e seus perfis psicológicos de um per-

sonagemtão controverso como foi Adolf Eichmann “ente

do mal” (ver a obra de Daniel Jonah Goldhagem:

Os car-

rascos voluntários de Hitler

, Companhia das Letras, 1997).

Hannah Arendt tinha razão em sua problemática tese

sobre a Banalidade do Mal, no caso deste personagem,

no qual não encontramos nada demonstruoso, pois não

passavade umburocrata fazendopartedeumamaquina-

ria damorte. Nietzsche volta a levantar-se e nos grita que

“Deus estámorto!” e que fomos nós que omatamos com

nossa hipocrisia, covardia e falta de fé no ser humano.

Deus morreu nos fornos crematórios!

Para construir ummundo ético e comvaloresmorais,

é preciso que conheçamos o passado, para entender o

presente e poder sonhar o futuro.

Jorge Lorenzo Valenzuela Montecinos

Professor da ESPM-SP, doutor pela Universidade de Paris

em história social, pós-doutor pela USP em política

internacional e comparada, especialista em ética pela PUC

Os judeus, comunistas, homossexuais,

ciganos e loucos eramumperigo para

a raça ariana. Logo, a “solução final”

colocava-se comoumimperativomoral