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Sociedade

Revista da ESPM

| janeiro/fevereirode 2014

108

escrito por Philip Kotler e Nancy Lee (Editora Book-

man, 2009) —, entre outras correntes da disciplina do

marketing, visando aproximar as ações das empresas

ao contexto cidadão-consumidor. É importante des-

tacar que esse movimento das empresas nem sempre

representa uma consciência cidadã de seus líderes na

condução dos negócios, mas, em geral, uma adaptação

aos temas que compõem a pauta de interesse daqueles

que são consumidores em potencial.

O consumidor que parecia tão passivo, no aguardo de

ter suas necessidades e desejos satisfeitos e atendidos

pelas empresas, agora palpita, participa do processo

criativo e de produção, interfere nas táticas de consumo

e, mais do que reclamar da qualidade dos produtos ou

serviços, denuncia as empresas que não correspondem

aos princípios da cidadania, direitos humanos, bem-es-

tar social e ambiental.

Manifestação on-line

É nas redes sociais que os consumidores têm encon-

trado umpalco para debate e reivindicações quanto ao

consumo e à conduta das empresas. Crescem os

posts

espontâneos nas redes sociais, em especial no Face-

book, denunciando empresas, compartilhando recla-

mações contra marcas e produtos, relatando casos de

mau atendimento e assim, com a legitimidade própria

e única de um consumidor — que não tem interesses

comerciais, mas quer somente orientar os amigos e

conhecidos —, recomenda ou não produtos e marcas e,

muitas vezes, convida os demais para boicotes.

Essa voracidade dos consumidores não é recente,

mas representa um embate presente ao longo da histó-

ria e da genealogia do consumidor. A escritoraMichele

Micheletti, por exemplo, abordou o tema em 2003, no

livro

Political virtue and shopping. Individuals, consume-

rism and collective action

(Editora Palgrave Macmillan).

Segundo ela, essemovimento não fica restrito à insatis-

fação do comprador quanto ao produto ou serviço rece-

bido, mas envolve questões relacionadas aos modos de

produção e uso da mão de obra produtiva, impacto no

bem-estar da sociedade, consequência e impacto no

meio ambiente, como também os direitos de inclusão

no consumo através de um acesso mais igualitário aos

bens por meio do poder de compra ou ajuste dos preços.

Foramdiversos os casos dos consumidores emlevante

contra as empresas: movimentos dos norte-americanos

emoposição à indústria e comércioqueutilizavamamão

de obra escrava (1764), e ainda antes, em 1756, a cha-

madaWar of Independence, contra os produtos impor-

tados da Inglaterra; a criação da New York Consumers

League em 1891, com a formação de guias de empresas

que tinham posturas reconhecidas como éticas para a

época; as diversasmanifestações pela Europa que atra-

vessaram o século 19 lutando pela qualidade da água,

pão e leite, entre outros bens de primeira necessidade;

uma série de boicotes contra as empresas e até mesmo

contra o consumo, desde o nascimento do boicote, em

1878, passando por diversos, frequentes e marcantes

momentos no século 20, quando grandes corporações

multinacionais sofreram ataques de consumidores.

O que há de novo é o uso do terreno cibernético para

a manifestação dos consumidores. Nas redes sociais,

são frequentes os depoimentos e denúncias de cidadãos

comuns contra empresas, pelosmais diferentesmotivos

que apresentam, desde uma insatisfação particular e

pontual até delações sobre exploração de mão de obra

ou trabalho escravo, uso na composição dos produtos

de insumos ou itens que comprometem ou ameaçam a

saúde das pessoas, todo tipo de impacto nocivo aomeio

ambiente, como o uso de animais em testes laborato-

riais, poluição de recursos naturais, desmatamento,

entre vários outros tipos de reclamação. O tempo tam-

bémcertificou o óbvio para os consumidores: a força do

coletivo é maior do que o ensejo individual.

O coletivo aparece no meio digital de forma variada

e, por que não dizer, criativa. Há páginas na rede social

Facebook que incitamo boicote contra empresas diver-

sas, como O Boticário

(www.facebook.com/pages/

Osmodos de condução e atuação das empresas têmmudado

profundamente. Temas que pertenciama um terreno

utópico de crenças e ideologias foram incorporados como

estratégicos pelas lideranças das organizações