janeiro/fevereirode2014|
RevistadaESPM
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de de análise: é possível mudar valores
tão arraigados de um povo?
Pastore
— Estamos vendo muitos
países mudando valores. Em relação
à educação, ao trabalho, à ética pes-
soal. É o caso da China, da Coreia do
Sul, de Israel e de alguns países da
América Latina, como o Chile. São
países que estão avançando. Não te-
nho bola de cristal, mas sei que uma
mudança desse tipo só pode dar cer-
to se acontecer de baixo para cima.
Ou seja, se for induzida da economia
para a sociologia, da infraestrutura
material para a superestrutura de
valores. Precisamos sofrer mais para
entender melhor a necessidade de
concorrer e competir. Na hora em
que o país passar por um choque
grande, talvez comece a mudar.
Alexandre
— O senhor mencionou a
China, que passa por transformações
profundas. Este exemplo, porém, leva a
uma discussão relevante: como lideran-
ças políticas identificadas com valores
meritocráticos e com o aumento da
produtividade, da inovação e da cria-
tividade poderiam promover reformas
igualmente profundas num ambiente
democrático, onde não cabe a ideia da
coerção de cima para baixo?
Pastore
— No caso da China, que tem
um regime autoritário, os governan-
tes perceberam que só podem sobre-
viver se a economia se desenvolver.
Enquanto isso, no Brasil, o gover-
nante sabe que a economia só pode
crescer e se desenvolver enquanto
lhe garantir votos. Para garantir o
voto, o governo tem de satisfazer os
valores do eleitorado — que são os
valores da proteção e do estatismo.
Alexandre
— Por essa análise, não há
saída. Se os valores do eleitorado são
de manutenção desse
status quo
e a
exigência do processo democrático é
atender a esses anseios, não vamos nos
mover, vamos?
Pastore
—Esta é uma pergunta angus-
tiante que faço paramimmesmo.
Alexandre
— O Brasil é um dos poucos
países, entre as grandes economias, que
têm uma Justiça do Trabalho indepen-
dente. De algum modo, isso é parte do
problema?
Pastore
— É parte sim, mas o Brasil
não é o único. Outros países tam-
bém têm Justiça do Trabalho, mas a
maneira como a nossa opera é bem
peculiar.
Alexandre
— Por quê?
Pastore
— Porque a nossa Justiça do
Trabalho tem poder normativo. Quer
dizer, ao dar uma sentença, o juiz tem
a competência de expandi-la para
toda uma categoria ou toda uma re-
gião. Isso não existe em outras Justi-
ças do Trabalho, até onde eu entendo.
Alexandre
— A partir de esforços pon-
tuais, como programas de treinamento
de aprendizes do Senai/Senac, e de
casos conhecidos de empresas cha-
mando para si a responsabilidade por
melhorar a educação da sua força de
trabalho, como o senhor avalia o papel
da iniciativa privada como indutora de
mudanças?
Pastore
— Temos todos os tipos de
empresário. Temos os empresários
avançados, querendo melhorar o
capital humano do país. Isso é impor-
tante não só para as empresas, mas
também para o desenvolvimento da
nação. Você vê muito empresário que
investe dinheiro próprio em pesquisa
e desenvolvimento. Vê empreende-
dores que se arriscam bastante, mas
ao lado deles está uma grande quanti-
dade de empresários que continuam
querendo o protecionismo governa-
mental. Aqui, você pode incluir até al-
gumas multinacionais, que vêm aqui
buscar a proteção do governo.
Alexandre
— O que o Brasil tem a
ganhar enfrentando o desafio de uma
transformação cultural pró-meritocra-
cia, pró-livre iniciativa, pró-produtivi-
dade?
Pastore
— O país ganharia mais liber-
dade, mais competência, melhores
condições para concorrer nomercado
mundial, empregos melhores, educa-
ção de boa qualidade, saúde e segu-
rança como não existemhoje.
Alexandre
— E qual será a consequên-
cia de manter o rumo atual?
Pastore
— Estagnação.
Se vocêmantém tudo garantido por lei ou pelo
Estado, os agentes econômicos são pouco estimulados
a inovar. OBrasil sofre dessemal secularmente.
Aqui, existe umexcesso de proteção