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janeiro/fevereirode2014|

RevistadaESPM

37

Cortella

Quando se fala no di-

reito à creche, isso vai para os jor-

nais, a Vara da Infância pressiona

o poder público, e esse movimento

leva a uma constatação desses

direitos. Nós somos uma popu-

lação — sem brincar de Poliana —

muito capaz. Conseguimos criar a

sexta maior economia do planeta

ocupando apenas a posição de nú-

mero 66 em educação. Para quem

acha que há um v íncu lo direto

entre educação e desenvolvimen-

to, quando formos a décima em

educação seremos a maior econo-

mia do planeta? Obviamente, não

funciona assim. Mas estamos se-

guindo em um caminho positivo.

Arnaldo

— Um fenômeno importante

que vem ocorrendo no Brasil é o pa-

radoxo da violência e da distribuição

de renda. Embora a qualidade de vida

tenha melhorado para a maioria da

população, os índices de criminalidade

explodiram. Isso põe por terra a teoria

clássica de que a violência é fruto da

pobreza?

Cortella

A pobreza em si não é

um fator de violência, assim como

a riqueza não representa o seu blo-

queio. A nação mais poderosa do

planeta tem o sistema penitenciário

mais extenso. Os níveis de violência

dentro dos Estados Unidos não são

como os nossos de maneira isolada,

mas no conjunto mostram um nível

de agressividade muito elevado.

A partilha de bens que oferecem

bem-estar social, essa sim é um

elemento que colabora para a dimi-

nuição da violência. O que favorece

em grande medida a questão dessa

violência é a circulação em larga

escala dos negócios ilegais e de uma

polícia que é patrimonialista.

Arnaldo

— O Estado ainda não se vê

como defensor do cidadão?

Cortella

A polícia passa boa parte

do tempo por conta da legislação e

pelo próprio

modus operandi

, cui-

dando do patrimônio em vez das

pessoas. Exemplo banal: se você liga

para um serviço policial e diz que

o menino da casa vizinha está apa-

nhando do pai, vai demorar a apa-

recer alguém. Se você liga dizendo

que há um assalto a banco

que tem

seguro

, em um minuto aparecem

dez viaturas. Há um uso muito forte

da estrutura de repressão em defesa

do patrimônio privado. Isso faz par-

te da nossa formação.

Arnaldo

— A violência se deve essen-

cialmente à ineficiência do Estado?

Cortella

É verdade que onde se ofe-

recem melhores condições de sobre-

vivência você reduz os motivos que

levam à violência. Mas é difícil ima-

ginar que um menino de periferia

das grandes cidades irá se convencer

a estudar, trabalhar e ter acesso a

todos os bens que deseja com um

ou dois salários mínimos no fim do

mês. No campo da droga, ele recebe

isso em menos de uma semana,

apenas fazendo entrega. E com isso

ele pode ter tudo aquilo que o seduz

no campo da “consumolatria”. Então,

o problema é que há forças agindo

na mesma direção. Tivemos um au-

mento significativo das cidades nas

últimas décadas, um aumento do

anonimato das pessoas e do desco-

nhecimento do aparato policial em

relação aos cidadãos. Isso gera um

adensamento que favorece esse tipo

de eclosão. E a droga é decisiva nisso,

porque ela por si só gera uma grande

cadeia que favorece a violência.

Arnaldo

— O senhor costuma citar a

frase do Tom Jobim de que o “sucesso

no Brasil é uma ofensa”. De onde vem

esta percepção?

Cortella

Isso é uma herança do pa-

trimonialismo ibérico. Vale lembrar

que somos uma sociedade fundada

com três forças divergentes. O euro-

peu, que veio para tirar e sair rápido;

o indígena, que queria que todo

mundo fosse embora; e o africano,

que foi trazido à força e queria voltar

para casa. Não nascemos com o es-

pírito de formação de uma nação, e

é diverso da formação de uma nação

mais jovem que a nossa, a norte-

-americana, cujo grupo de pioneiros

veio para fundar outro lugar e viver

nele. A tal ponto de usar a palavra

“novo” — “Nova Inglaterra, Nova

York, Nova Jersey” — como maneira

de fixação. É claro que houve o con-

flito com indígenas, a escravização,

mas numa escala diversa da nossa.

A política partidária perdeu o encanto para

as novas gerações e restaram apenas algumas

pessoas com suas histórias pessoais, comuma atitude

até de heroísmo. Aliás, o heroísmo mudou de foco