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janeiro/fevereirode2014|

RevistadaESPM

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do o capitalismo do século 19 rumo

à visão de consumo do século 20, a

sensação de vantagem era sedutora.

Era uma sociedade que começava a

pregar esse individualismo exacer-

bado. A Lei de Gérson de “levar van-

tagem em tudo” tinha o seu encanto.

Mas isso foi se perdendo porque o

individualista clássico está deixan-

do de ser admirado. Levar vantagem

não deve ser em tudo, nem de qual-

quer modo.

Arnaldo

— Voltando aos valores, o

que é necessário para que figuras de

alta relevância social, como professo-

res, médicos e policiais, readquiram a

admiração que já tiveram no passado?

Cortella

É impossível recuperar

essa imagem, porque essas profis-

sões eram as que estavam mais per-

to das pessoas. Era o policial que te

conhecia e cumprimentava na rua.

Era o professor, o médico de família.

Essa hiperdimensão populacional,

o aumento das cidades, levou a uma

perda desse tipo de relacionamento.

A descentralização dos serviços le-

vou ao anonimato e acabou com esse

tipo de relacionamento duradouro.

Arnaldo

— Perdemos esse espírito de

comunidade?

Cortella

A ideia de sucesso mi-

grou do trabalho para o benefício

das pessoas em direção à realização

financeira. Há 30 anos, um profes-

sor era reconhecido pelo seu conhe-

cimento. Hoje não consegue com-

prar um carro, que é um símbolo

de realização. Isso significa que ele

não é mais admirado da mesma ma-

neira. O mesmo se dá em relação a

outros profissionais. Antigamente,

no interior, as pessoas mostravam

a casa da diretora da escola para as

visitas. Essa situação foi agravada

pela baixa remuneração dessas

profissões. O que podemos ter é

a reinvenção dos nossos polos de

admiração. Existe uma valorização

das pessoas que se apoiam em cau-

sas sociais, como as ONGs. Mas isso

vai depender bastante do papel dos

meios de comunicação nessa divul-

gação de ações positivas.

Arnaldo

— Que valores o Brasil pre-

cisa resgatar e adaptar aos novos

tempos?

Cortella

Temos de resgatar três

grandes valores relacionados com

a vida comunitária. O primeiro é a

solidariedade, que nos afasta do in-

dividualismo exacerbado. Há tam-

bém a paciência. Estamos numa

sociedade muito apressada, em que

se deseja tudo agora. Paciência não

quer dizer lerdeza, e sim o tempo

de maturação da convivência. O

terceiro deles é a generosidade.

Porque a solidariedade não é ne-

cessariamente generosa. A pessoa

generosa é aquela que partilha. Isso

foi representado por muito tempo

com aquele costume de preparar

um bolo de fubá à tarde e levar para

o vizinho. Esses valores foram se

perdendo em função de um indivi-

dualismo mais marcante.

Arnaldo

— O senhor é otimista com

esse resgate de valores?

Cortella

Bastante. Eu tenho aquilo

que se chama de esperança ativa,

que é buscar em vez de aguardar.

E esse otimismo não vem da inge-

nuidade. Pelo contrário, ele vem da

consciência de que estamos emmeio

a um processo de agravamento de al-

guns horrores. Esses momentos aju-

dam a mudar a percepção coletiva.

Há um esgotamento do modelo atual

e, seja por convicção ou coerção, essa

mudança está acontecendo.

Arnaldo

— De que forma isso ocorre?

Cortella

Vou te dar dois exemplos

banais. Vai fazer 20 anos que existe

no Brasil a lei do cinto de segurança.

No começo, as pessoas chegaram a

comprar camisas do Vasco ou da Pon-

te Preta para não usar o cinto. Todo

mundo dizia que essa lei não ia pegar.

Naquele tempo tinha multa, como é

hoje, só que ninguémusa mais o cinto

pensando na multa. Ele se incorporou

ao cotidiano. Há 20 anos, num auditó-

rio haveria a placa “Pede-se para não

fumar”. Há dez anos, a placa diria “É

proibido fumar”. Agora não tem placa.

Então, somos capazes de produzir

malefícios e benefícios. Karl Marx

cunhou no século 19 a frase que hoje

me acalma: “A humanidade nunca se

coloca diante de problemas que ela já

não tenha condições de resolver”.

Há 30 anos, umprofessor era reconhecido pelo seu

conhecimento. Hoje não consegue comprar umcarro,

que é umsímbolo de realização. Isso significa que ele

não émais admirado damesmamaneira