entrevista | Mario Sergio Cortella
Revista da ESPM
| janeiro/fevereirode 2014
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Arnaldo
— Os protestos de junho sur-
giram como uma esperança de que o
brasileiro iria, enfim, erguer-se contra
a ineficiência do Estado. Seis meses
depois, o que restou foi um rastro de
vandalismo autoritário, disfarçado por
um discurso anarquista. A “primavera
brasileira” caiu no esquecimento?
Cortella
—
No esquecimento não
cairá. Mas com certeza houve um
arrefecimento. Nos primeiros pro-
testos havia um movimento com
pauta, estrutura e partido político
por trás. Era justamente a questão da
tarifa de transportes. Então tudo co-
meçou com um tema candente para
a vida coletiva. A reação policial, que
foi desmedida e pouco inteligente,
transformou o que era o movimento
de uns em uma causa de muitos. Isso
levou muita gente para as ruas e,
nesse segundo momento, o aparato
policial reagiu de maneira inversa.
Não como cúmplice, mas calado e
sem reação. A partir daí, tivemos um
segundo fenômeno muito interes-
sante do ponto de vista da filosofia.
Arnaldo
— Que fenômeno foi esse?
Cortella
—
Fomos autorizados a ir
para as ruas. Isso era uma coisa que
não acontecia há muito tempo nas
grandes cidades e, de repente, as
pessoas foram levadas às ruas, com
ou sem algo concreto para reivindi-
car. Isso virou programa com pro-
teção policial. Poder andar no meio
da avenida Paulista, protestar sobre
qualquer coisa, sem risco e com am-
paro da polícia. Mas aí veio o tercei-
ro movimento, e esse foi negativo.
Quando aquilo que era uma eclosão
democrática atraiu a presença de
“democracidas”. E quando o “demo-
cracídio” entrou em cena, com os
Black Blocks e outros, aquilo que era
democracia voltou a ser risco. Entra-
mos na violência, na brutalidade,
que esvaziou esse movimento, por-
que a rua ficou perigosa de novo. Aí a
manifestação perdeu fôlego.
Arnaldo
— O que o senhor achou da
reação da classe política em geral?
Voltou tudo ao que era antes?
Cortella
—
Os protestos de junho
do ano passado representaram uma
crítica às pessoas que aí estão. Ago-
ra precisamos iniciar um movimen-
to contra as pessoas que votaram
naqueles que provocaram os pri-
meiros atos. Vamos às fontes: não
vivemos em uma ditadura e todos
que estão no poder foram eleitos.
O cidadão precisa fazer da política
algo cotidiano, e não episódico.
Nas cidades, isso é mais fácil em
função da proximidade da Câmara
dos Vereadores. Em nível estadual
e federal, é mais complicado, mas
não inviável. Precisamos fazer um
acompanhamento mais efetivo do
Legislativo e do Executivo. Afinal,
as pessoas acompanham as nove-
las, os seus ídolos, e também devem
exercer esse papel em relação às
pessoas públicas. A classe política,
embora esse termo não seja ade-
quado, ficou em estado de tensão.
Enfim, ninguém poderia imaginar
que rota tudo aquilo ia tomar.
Numprimeiro instante, a categoria política se
encontrou emestado de tensão, mas depois
relaxou. Afinal, ela temmuitomaismedo
damídia do que de qualquermovimento popular
A violência imposta pelosBlackBlocks durante asmanifestações populares
acabou esvaziando oMovimentoPasse Livre, emmeados do ano passado
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